6 de setembro de 2009

O potencial dos sacos de areia

.:: por Marina Benjamin ::.
The Independent/Londres
Traduzido por Clarissa Pont

Dirigir pela empoeirada Hesperia, cidade no deserto da Califórnia, cansa o olhar. Se você descontar as montanhas de San Bernardino, que passam como uma cortina de fundo, não há nada além de quilômetros de arbustos e fileiras infindáveis de habitações de beira de estrada, todas na cor creme. É como um solavanco quando, ao dobrar uma esquina, você tropeça no Instituto Cal Earth. Repentinamente, como um ponto de luz em um radar, formas orgânicas começam a pontuar o duro horizonte.Os pontos são casas de tijolo de barro construídas pelo arquiteto iraniano Nader Khalili, usando o método que ele chama de super adobe. Elas se espalham em pequenos feixes entre as árvores, salpicando os sete acres e meio do Instituto. Estas cabanas de barro – e sua força, durabilidade e propriedades de empilhamento modular – são o assunto de um considerável interesse no momento. A cidade fundadora de Hesperia acaba de merecer o título de primeira colônia lunar do mundo. Khalili está encantado. Ele espera por esse momento desde 1984, quando demonstrou os méritos da arquitetura de terra em um Simpósio da Nasa que discutiu bases lunares para o século 21. Enquanto todos os outros se empenhavam em trazer soluções fantásticas, como estranhas fusões de metais, plásticos super-maleáveis e a última tecnologia em fibra de carbono, esse pequeno e intenso homem exaltou as virtudes do solo. Foi a arquitetura seguindo uma filosofia devolta às raízes que capturou a imaginação dos cientistas espaciais. Ainda que o sonho de Khalili seja construir uma colônia com regolito –a subtância dura e empoeirada que cobre a superfície lunar –, ele já está contente de, por agora, experimentar com o solo rochoso de Mohave. Aliás, Mohave é o mais próximo que se pode chegar da lua, sem sair da Terra. Ali é possível experimentar as mesmas duras mudanças de temperatura: quente ao dia, gelado durante a madrugada e extremamente seco. Mas o paralelo que mais interessa a Khalili é a similar escassez de material. "O aspecto diferente desta arquitetura é que ela usa nada além do solo sob seus pés", ele explica, "então não há necessidade de transportes caros de materiais para a lua". Ao lado de cada cabana de super adobe há um buraco no chão, uma prova bruta da construção escavada. Super adobe é essencialmente uma técnica de empilhar sacos preenchidos com terra, para formar paredes, e posicionar arame farpado entre elespara reforçar. É barato (Mars I, o mais completo dos protótipos do Cal Earth custou $270), ambientalmente amigável e notavelmente forte. Quando a Prefeitura de Hesperia desenvolveu testes independentes nas estruturas em andamento para autorizar Khalili a construir o museu natural local, eles descobriram que uma única cabana envoltacom cabos e ligada a dispositivos hidráulicos poderia suportar uma força equivalente a um caminhão cheio de concreto descendo um despenhadeiro. Khalili fundou o Instituto Cal Earth em 1991 para promover aconstrução de casas seguras e baratas. Khalili e sua assistente britânica Iliona Outram (filha do arquiteto John Outram) agora ensinam técnicas de super adobe para estudantes do mundo todo. É provável que visitantes procurando por Khalili, agora com 60 anos, encontrem-no caminhando pelo terreno, com suas calças jeans de sempre e chapéu de lã branca. Vendo Khalili em seu aspecto quase místico e ouvindo-o celebrar a santidade da terra é difícil de acreditar que ele já foi um especialista em arranha-céus. A conversão de Khalili aconteceu em 1975, aos 37 anos. Sem nenhum aviso, ele vendeu seus escritórios em Teerã e Los Angeles, comprou uma motocicleta e partiu pelas distantes montanhas do Irã rural para estudar a arquitetura local. Ele viajou por cinco anos. "No meio do caminho da minha vida eu parei de competir com os outros. Eu escolhi meus sonhos e comecei uma caminhada humana", é como Khalili descrevesua jornada em Racing Alone (algo como Correndo Sozinho), o livro que escreveu no retorno à América. A partir de então, Khalili se focaria exclusivamente em habitação para os pobres. Durante a expedição iraniana, ele não apenas aprendeu a habilidade de construir elegantes cavernas de barro: ele as melhorou. Descobriu que queimando essas construções tradicionais por três dias, efetivamente tranformando-as em fornos de calor escaldante, elas se tornavam impermeáveis a qualquer coisa que a natureza pudesse trazer, ondas de calor, tempestades de neve, efeito-estufa. Khalili imediatamente reconheceu o potencial destas construções para receber emergências, providenciando alívio instantâneo para centenas de pessoas que ficaram sem casa devido a guerras, enchentes e desastres ambientais. Além disso, ele continuou a procurar um método de construção ainda mais simples. Foi aí que ele desenvolveu o superadobe. "Agora tudo que você precisa", diz Khalili, "é jogar sacos vazios de um avião em uma zona de emergência e colocar um supervisor no solo para mostrar à comunidade local como construir". O United Nation's Institute of Training and Research está premiando as idéias do Instituto Cal Earth, mas Nasserine Azimi, da Unitar, admite que é uma luta convencer as agências de amparo que o super adobe é uma técnica na qual vale a pena investir. "Muitas agências estão presas a um tipo de pensamento e não objetivam tentar algo novo", argumenta ela. "Mas temos uma situação onde um bilhão de pessoas está em habitações temporárias e todos sabem que é ali que essas pessoas vão nascer e morrer. Com os métodos do Cal Earth é possível construir uma casa permanente por um pouco mais que o preço de uma tenda. E é uma construção sensível ao ambiente local, em termos de produção e aparência." Apesar das atrações óbvias, as aplicações práticas dos métodos de superadobe têm sido limitadas. Quarenta habitações criadas por Khalili foram construídas no Irã pelo Alto Comando para Refugiados das Nações Unidas depois da guerra entre Irã e Iraque, e criações em super adobe agora estão sendo utilizadas no Caribe, como parte dos esforços em realocar pessoas depois do Furacão Mitch, que devastou a área no final de 1998. A Artecnica, uma empresa de arquitetura na Califórnia, está planejando duas vilas de super adobe na República Dominicana. Uma, como um resort de ecoturismo, irá pagar a construção da outra. Pelo menos este é o plano. Eles também estão propondo uma subsidiária caribenha do Cal Earth, trabalhando com universidades locais, negócios e agências governamentais para desenvolver mais comunidades de superadobe. A Fundação Cecropia, um grupo ambiental mantido por Woody Harrelson, está fazendo coisas similares na Costa Rica. A última mania de Khalili é usar a Internet para divulgar suas idéias. Assim, ele consegue ultrapassar problemas oficiais e a burocracia desnecessária, e se comunica diretamente com as pessoas. Tendo localizado os mais fortes problemas de habitação no planeta, Khalili ensaiou na lua. "Estou interessado na lua como uma solução para a Terra", ele diz. "É um plano limpo e eu gostaria de mantê-lo puro e sagrado e não contaminado pelo ferro e pela mistura de neblina e fumaça dos dejetos industriais. Eu quero mostrar que o que está lá é suficiente. A lua é um espelho de tudo que fazemos aqui". Ele entende bem os desafios especiais de construir na lua. Há o problema das partículas de radiação solar, que ele propõe resolver fazendo as paredes cinco metros mais grossas. Depois há o problema da gravidade. A força universal de Newton é seis vezes mais fraca na superfície lunar que na Terra. Essa diferença permite Khalili orçar habitações que são seis vezes maiores, mas isso também significa quea tensão no interior das estruturas individuais tem de ser seis vezes maior. A solução? Empilhar os sacos de areia de super adobe horizontalmente e usar sacos de velcro. A sua técnica de super adobe é o modelo perfeito do que os arquitetos chamam de construção sustentável. Em outras palavras, quase não tem nenhum custo ambiental. Apenas um rolo dos sacos de Khalili constrói um número de paredes suficiente para erguer 20 pequenas estruturas na lua. É isso, ele planeja preencher os sacos de areia com nada mais que pó lunar. Khalili refere a si próprio como um "sonhador que passa adiante". Como os melhores escritores de ficção científica, ele possui um talento para inovação que é quase compulsivo. Também como os melhores escritores, o que o move se origina não no longínquo cosmos inalcansável, mas bem perto de casa. "Minha missão", ele diz, "é dar dignidade à terra, para que as pessoas do Terceiro Mundo, que a possuem sob os pés, não desistam de construir com ela".No final da área do Instituto, ao lado dos protótipos lunares, outro prédio está em construção. A forma da habitação ainda está muito parcial para entregar o jogo visualmente, mas vai em breve se transformar em uma casa de três quartos com garagem para dois carros. "O sonho americano em habitação", diz Khalili. A diferença é que essa casa está sendo construída em super adobe. A razão é clara: "Primeiro famílias americanas vão morar aqui, depois se pode financiar casas assim, depois vão começar a filmar novelas nessas casas. Somente aí, somente quando a América abraçar a arquitetura de terra é que o Terceiro Mundo terá orgulho do seu próprio patrimônio".

MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O TRABALHO DE NADER KHALILI PODEM SER ACESSADAS ATRAVÉS DO SITE (Em inglês):
www.calearth.org

Fonte:
http://br.groups.yahoo.com/group/sustentacomuni/message/68
Versão em Inglês:
http://www.highbeam.com/doc/1P2-5066380.html


- Veja também:
Vídeos Super adobe
Princí­pios da Bioconstrução

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