30 de julho de 2012

Tamanho da População

Organização de uma comunidade 2

Por Adrian Rupp

Resolvi dar continuidade a descrição de minha idealização de uma comunidade já que a primeira parte foi bem recebida.

Tamanho da População

Normalmente se discute bastante o tamanho do terreno necessário para uma comunidade intencional e pouco se discute sobre o tamanho de sua população.

As comunidades no geral não estabelecem metas ou limites neste sentido e creio que algumas acabam desaparecendo por falta de pessoas enquanto outras crescem demais e se tornam cidades.

Acho que temos que ser ambiciosos e ter um quadro completo e rico para onde queremos ir. Comunidades que desaparecem por poucos membros para mim é resultado de falta de um planejamento ambicioso. Planejar a população de modo ambicioso é organizar a comunidade de tal modo que muitas pessoas vão tomar conhecimento da existencia dela e muitas vão sentir vontade de participar dela. Nas comunidades que tem mais população cada membro é como um vendedor que divulga a comunidade, convida para conhecê-la, explica seus valores e funcionamento, para cada pessoa que encontra. Por mais que o interesse seja atrair pessoas, o quadro é pintado com realismo, para não gerar frustrações que vão prejudicar a imagem da comunidade.

Mas não só uma divulgação adequada é necessária para atrair pessoas. A comunidade precisa ser plural. É normal que toda comunidade tenha uma cultura particular e restrita, mas essa especificidade precisa ser equilibrada se ela quiser crescer.

Por exemplo: Vou criar uma ecovila vegana numa região fria e isolada do Brasil que vai trabalhar com educação ambiental.

Uma pequena parcela da população do Brasil está disposta a assumir uma vida vegana. Uma parcela mais pequena ainda está disposta a assumir uma vida vegana e tolera ou gosta de frio. E uma parcela quase invisível da população assumiria uma vida vegana, moraria no frio e não se importa ou acredita que o isolamento é importante. Resumindo, as restrições que se impõe às pessoas são a fórmula do fracasso.

De outro modo é claro não faz sentido criar uma comunidade alternativa se tudo será exatamente igual ao mundo capitalista/ocidental.

Tentando resolver o exemplo, atualmente no mundo ocidental existem pouquissimas pessoas dispostas a seguir o veganismo. Sendo assim é preciso afroxar nos outros aspectos se queremos mesmo apertar neste. Assim melhor é escolher uma região com clima ameno e não tão isolada.

O isolamento é um fator muito importante na viabilidade de uma comunidade. Regiões muito isoladas são boas para comunidades em vários sentidos, mas não para conquistar mais membros. Creio que o ideal é manter algo entorno dos 100Km dos grande centros urbanos. Para que as visitas a comunidade não se tornem epopéias.

No outro extremo temos as comunidades que crescem demais. Elas deixam de ser comunidades e passam a ser cidades com todos os problemas associados a elas: deslocamentos demorados e caros, grande desigualdade de poder, relações impessoais, anonimato, criminalidade, etc.

Na medida em que a comunidade está se tornando populosa demais ela pode simplesmente se fechar a entrada de novos membros.
De outro modo tem ainda o risco de ela passar a ter muito mais bebes e crianças do que adultos para alimentá-los se fazendo necessário o uso de métodos anti-concepcionais autossustentáveis. Existem várias técnicas neste sentido, mas elas costumam ser atacadas e escondidas pois não geram lucro e fazem com que as pessoas tenham mais poder sobre seus corpos e suas vidas.

Mas quantas pessoas deve ter uma comunidade?

Para isso precisamos saber quantas pessoas uma comunidade precisa. Como eu trabalho com a ideia de comunidade autossustentável penso que a comunidade precisa ser grande o suficiente para suprir todas as suas necessidades básicas. E essas necessidades são:
- Alimento para sua população
- Excedente populacional para o caso de uma crise
- Excedente populacional para desenvolvolvimentos sofisticados para além da sobrevivência: Produção de conhecimentos, artes, tecnologias, etc.
- Rica vida social (ninguém ficar enjoado de sempre olhar e conversar com os mesmos)
- Diversidade de genética humana
- Produção de itens estratégicos usados na comunidade: remédios, combustíveis, eletricidade, óleos, produtos de limpeza, etc.

Para mim cada comunidade humana deveria ser uma célula independente, capaz de repovoar o planeta caso seja a única comunidade que sobreviveu a uma catastrofe. O próprio planeta está com seus dias contados. Na dependencia ou interdependência estamos todos condenados ao longo prazo. Nos resta a autosustentabilidade e a diversidade cultural como caminho para sobrevivermos como espécie.

A comunidade precisa ser grande o bastante para que seus membros quando sairem sintam que estão de fora, que estão deixando coisas importantes para trás. Como ocorre conosco quando saimos dos centros urbanos onde estamos enraizados.

Enfim, eu cheguei ao número aproximado de 250 pessoas. Próximos das 1000 já temos os problemas das cidades e com menos de umas 150 não somos capazes de atender as necessidades que coloquei acima. Claro que toda a comunidade intencional hoje em dia começa com uma, duas, três pessoas e assim parece megalomaniaco pensar em centenas, ainda mais se pensarmos na área necessária para abrigar tantas pessoas. Mas acho que está justamente faltando um planejamento ambicioso, já imaginam uma comunidade com umas 5 familias e no fim acaba se tornando mais um sítio ecológico com apenas uma familia.

A área necessária para abrigar centenas de pessoas é grande, mas a comunidade pode começar numa área menor e se mudar quando for necessário. O ideal é começar numa área definitiva mas nem sempre o ideal se encontra com o possível.

Um problema sério que existe é que muitos querem se mudar para uma comunidade plenamente desenvolvida e poucos se tornam parte de projetos que estão apenas começando. Quando um projeto está no nível de ter menos de 10 membros ele precisa ser 100% aberto a entrada de novos membros e dar igualdade de poder para estes novos membros (seguindo o consenso). Precisa ficar claro o quanto o projeto está indefinido e o quanto está aberto para receber novas sugestões e novos caminhos. Neste nível é necessário confiança entre os membros, as pessoas precisam se conhecer realmente antes de se unirem no grupo dos fundadores. Esse conhecer exige algum convivo em comum, não apenas reuniões ou encontros, mas partilhar algumas vezes a comida, o local de dormir, conhecer a pessoa de modo a estabelecer os laços de confiança.

Sobre o assunto também:
http://www.jrrio.com.br/construcao-sustentavel/ecovila-populacao.html


Entrada de novos membros na comunidade


Creio que a entrada de novos membros deve ser gradual, com visitas cada vez mais longas a comunidade e se inserindo de modo lento e sólido. Para quem vive numa cidade, a vida numa comunidade é bastante diferente. Creio que mudanças rápidas tendem a ser mais traumáticas e acabam provocando uma volta ao ponto de partida.

Para mim existem três estágios na mudança para uma nova comunidade:
1º Aqui é o paraiso, estou vivendo onde sempre sonhei viver.
2º Isso não é o que eu queria, não vou viver aqui.
3º Aqui não é o paraíso e não é o inferno, mas é onde quero viver.

Costumo comparar a entrada numa comunidade com uma relação amorosa: Uma paquera que vai avançando até a chegada do casamento ou vida em comum. No inicio da vida em comum todos sentem a empolgação do sonho que se tornou realidade. Porém passado esse momento alto se sucede um momento baixo, de aversão às diferenças entre a idealização e a realidade.

Simplesmente não existe comunidade perfeita, em vários pontos nossa comunidade vai deixar a desejar. Como ocorre nas familias, vamos ter que aprender a conviver com pessoas com que não temos sintonia. Aceitar regras de convivio que nos incomodam.

Esses problemas relacionados a idealização podem reduzir se fazemos uma transição lenta. Assim podemos aos poucos confrontar a realidade da vida comunitária em vez de repentinamente sermos surpreendidos por seus pontos negativos. Claro que existem inesperados pontos positivos na vida comunitária, mas quando estamos no 1º estágio tendemos a olhar os pontos positivos e menosprezar os pontos negativos. Para depois no 2º estágio fazer exatamente o contrário.

Tanto comunidades quanto indivíduos precisam estar cientes deste processo psicológico para superá-lo. Mas é claro que em muitos casos simplesmente não há afinidade entre a comunidade e o indivíduo. Mas na medida em que cresce a diversidade de comunidades, maior é a chance de todos encontrarem sua comunidade.


Saída de membros da comunidade

Há duas formas principais de alguém sair de uma comunidade:
1. expulsão
2. vontade própria

Casos de expulsão são extremamente raros. Ocorrem quando algum membro comete uma falha gravíssima. Diante do desrespeito à regras há sempre alternativas, e a expulsão é a última delas.

Desrespeito à regras da comunidade é um sinal de falta de sintonia entre o indivíduo e a comunidade. Nestes casos pode começar o processo de saída da comunidade, que também pode ser gradual como a entrada.
A comunidade pode apresentar outras comunidades para o membro que está mal ajustado. Este indivíduo pode ser levado junto quando forem feitos encontros para trocas, para poder criar laços com outra comunidade. Na medida em que são apresentadas as alternativas ele pode preferir continuar na comunidade e se esforçar para se ajustar melhor ou entrar noutra comunidade onde se sentirá melhor.

Difícil descrever bem essa questão pois cada caso tem suas particularidades, mas é importante que:
- A comunidade ajude a pessoa a conhecer outras comunidades.
- A comunidade dê o tempo necessário para a pessoa fazer a transição para outra comunidade.
- A comunidade permita um retorno desta pessoa, também gradual e maduro.

Notem que isso só funciona se as comunidades estão buscando se ajudar mutuamente e não estão competindo entre si. Para o indivíduo e famílias, um contexto de colaboração entre comunidades é melhor do que um contexto de competição.

Como coloquei, tudo é transitório, talvez um desajustado de hoje, seja um dos membros mais integrados amanhã, após ter ido para outra comunidade. Portanto é contra producente entrar em conflito e ser agressivo com ele.

Se alguém tem algum problema com o termo 'desajustado': Vida em comum exige um 'ajuste' entre pessoas. Cada um cede um pouco em suas excentricidades para tornar o convivio possível.


Vida em Comum

A grande educação para a vida comunitária, num mundo que abandonou a vida comunitária e adotou uma 'vida estatal', é viver em família. Porém, com o aumento das separações e redução do tamanho e quantidade dos núcleos familiares, ficamos ainda menos aptos a conviver em conjunto. Isso é claro foi provocado por interesses monetários e ameaça seriamente o futuro da humanidade.

Para qualquer jovem que sonha com uma vida mais ambientalmente consciente, viver numa familia onde separar o lixo é o máximo de atitude ambientalmente responsável é algo difícil. Hoje quase qualquer pessoa pode lembrar de dificuldades de convívio com algum familiar. A primeira coisa que vem a cabeça é algo tipo 'ele me prejudicava', 'ele não me respeitava', 'ele(s) fazia(m) de propósito', etc. Resumindo: A culpa é sempre do outro. Quantos podem realmente afirmar que fizeram sua parte para que o convívio desse certo e não retribuiram as hostilidades? O fato é que toda a dificuldade de convívio é uma grande oportunidade de desenvolver a paciência, tolerância, o amor ao próximo, a diplomacia, etc. O que torna as pessoas poderosas é superar dificuldades e não se cercar de facilidades.

Da forma como as pessoas foram educadas pelo império é evidente que em todas as novas comunidades haverão sérios problemas de convivência. Parte da solução está na definição de regras usando o sistema do consenso, onde todos participam de sua construção e entendem o motivo da criação de tais regras. Muitos vão chegar depois, com várias regras já definidas, mas os mais antigos na comunidade podem explicar como chegaram até elas.

Sempre vão haver pessoas que são incompatíveis conosco, acho que não há a necessidade de forçar um entendimento, mas precisamos compreender que a comunidade precisa de muitos tipos de pessoas e não apenas pessoas que nos agradam. Na medida em que a comunidade cresce e as melancias se ajeitam na carroça isso perde importancia gradualmente. Com o tempo podemos apreender a aceitar as limitações do outro, mesmo que não sejamos capazes de nos concentrar nas nossas próprias falhas.

A educação do império nos ensinou muito bem sobre as falhas das familias, os casos de abuso de poder, as relações que se tornam doentias ou viciadas, as divisões de tarefas domésticas desiguais, etc. Na realidade muitos destes casos foram propositalmente provocados por uma educação 'anti-familia'. Basta observar que as soluções apresentadas sempre reforçam nossa dependência em relação ao império: psicólogos, conselho tutelar, polícia, separações, etc. O que ocorre de fato é que os indivíduos são fracos e por isso precisam da familia e as familias são fracas e por isso precisam da comunidade. O estado, que tem relações intímas com as corporações de forma que é impossível distinguir um do outro, quer substituir a familia assim como fez com a comunidade. Da para desenvolver longamente este tema, mas prefiro falar de soluções do que de problemas. O caso é que muitos problemas que ocorrem dentro das familias poderiam ser resolvidos pela comunidade. Mais uma vez estariamos nos empoderando em vez de beneficiar a centralização de poder. Uma familia pode não ter alguém capaz de educar bem as crianças, mas na comunidade haverá. Uma familia pode não ter alguém capaz de resolver conflitos, mas na comunidade haverá. E assim por diante. Foi assim que a humanidade se organizou e em comunidades superou as piores crises ambientais de sua história e conquistou todos os territórios que hoje ocupa.

No consciente coletivo está a ideia de que 'a união faz a força'. Muito se usa essa ideia no ativismo político, mas isso vale muito bem na vida em familia e na vida em comunidade. O convívio morando numa comunidade torna as pessoas mais poderosas.

Continua...

8 de julho de 2012

A Economia do Dom












Por Adrian Rupp

Introdução

É comum a ideia de que o capitalismo é um sistema econômico ruim, mas é o menos pior. Quando o capitalismo é questionado somos sempre lembrados do comunismo da União Soviética, a falta de liberdade e pobreza. Porém o leque de sistemas econômicos alternativos é bem mais amplo.
Para citar um exemplo bem conhecido temos o escambo. 
Para citar um exemplo pouco conhecido 
temos o que vou chamar aqui de 'economia código aberto':
É o mundo da Wikipédia, Linux, hardware livre, etc. Várias pessoas pelo mundo criando, desenvolvendo, produtos e serviços de forma coletiva, e ofertando de modo gratuito, principalmente pela Internet.
Penso nisso como sistema econômico pois vejo que poderia continuar independente do capitalismo, mesmo que hoje esteja tão ligado à ele.
Mas o tema aqui será outro fascinante sistema econômico, provavelmente o mais antigo e duradouro que a humanidade já utilizou: A economia do dom.


O que é a economia do dom?

Imaginemos que minha comunidade tem um excedente de laranjas. Vamos visitar uma comunidade onde acreditamos que não há laranjas e levamos parte deste excedente conosco. Chegando lá, oferecemos as laranjas gratuitamente e elas são aceitas. Quando vamos embora a comunidade nos oferece parte do seu excedente de cebolas gratuitamente que é aceito.
Ocorreu neste exemplo uma troca econômica, porém de forma muito mais livre, sem exigência de contrapartida, sem perda de energia tentando garantir uma troca vantajosa.
Esta é a economia do dom. Os bens e serviços são simplesmente doados. A contrapartida vem, de alguma forma, algum dia, enquanto existir o desejo de retribuir. O presente pode tanto ser algo interessante para o outro, quanto algo que o outro esteja precisando para sobreviver.


Por que funciona?

Em primeiro lugar pelo desejo das pessoas de retribuir o que elas recebem de bom. 
Podemos citar o prazer de doar, que também está presente na caridade, mas  o que
define mais a economia do dom são as demonstrações de gratidão.

Enfim, funciona porque existe no ser humano o sentimento de gratidão.

Também podemos dizer que funciona pela cooperação que produz: Doando e retribuindo torno meus parceiros mais fortes, criando um circulo virtuoso de abundancia. Todos, comunidades e indivíduos, passam por crises econômicas em algum momento. Quem tem mais parceiros tende a sobreviver melhor a estes momentos.


Como funciona

A economia do dom já se manifestou de diferentes formas em diferentes redes de comunidades. 
Vou tentar definir uma forma que acredito que funcione:

- Só é ofertado excedentes. 
Não se liga a sobrevivência da comunidade a esse sistema econômico e se usa para a sobrevivência preferencialmente a autossustentabilidade.

- Não se defini contrapartidas.
Não se defini que tal retribuição deva vir de uma só vez, deva buscar ser maior ou igual ao que foi dado, que a retribuição deva vir num determinado período de tempo ou determinado momento.
No decorrer do jogo econômico o que vai ocorrer é que parceiros que melhor retribuem serão os que receberão melhores doações. Mas a solidariedade estará presente pois ampliar os parceiros aumenta a chance de receber mais futuramente.
Percebam que é uma economia associada à abundancia, enquanto a economia capitalista está associada à escassez.

- Se doa para pessoas ou comunidades conhecidas
Esse sistema não combina com o anonimato. Ele está ligado com relações de fidelidade. Se estamos doando para desconhecidos estamos fazendo caridade.

- Se escolhe bem as ofertas
Busca-se doar coisas uteis para o parceiro. Se descobre que itens o parceiro considera que merecem retribuição e os que ele julga 'fracos' demais para que ele sinta vontade de retribuir. 

- Se aceita um não.
Em muitos casos é mal visto recusar um presente, mas creio que devemos buscar relações suficientemente francas para que a recusa não seja mal vista. 

- Diplomacia
No inicio de uma relação é preciso mais cuidado para que a oferta não seja vista como ofensa ou não provoque problemas para quem recebe. Por exemplo doar um lote de sabonetes pode ser visto como uma forma de chamar um povo de sujo. Doar alimentos de ser visto como chamar de morto de fome ou de pobretão. 
Doar carne para uma comunidade vegetariana seria quase como uma declaração de guerra. Uma comunidade  doa comida muito temperada para outra que usa temperos suaves e temos um monte de comida no lixo ou varias pessoas doentes.
É preciso ter uma ideia de como esse presente será recebido, e isso envolve a questão que já coloquei de se conhecer o outro.
É óbvio que precisamos de uma certa tolerância e clareza para que as relações funcionem.

- Presentes prontos para uso
Não é bom doar bambus cortados para uma comunidade que não tem essa planta pois processar essa matéria prima exige ferramentas e técnicas específicas, e assim a comunidade desenvolveria uma dependência. Doem então os moveis ou objetos de bambu prontos para uso. Não se doa problemas, se doa soluções.

- Consciência de que não dará certo sempre
É curioso como as pessoas tratam os sistemas econômicos alternativos:
Se testam a economia do dom e não obtêm o resultado esperado dizem que o sistema não funciona. Se compram um produto que estraga rápido, dizem que o fabricante é ruim. Podem fazer várias trocas capitalistas frustrantes sem culpar o sistema e basta uma experiência ruim num sistema alternativo para culpar o sistema.
Temos que entender que nem tudo dá certo sempre e mesmo assim funciona.
Existem vários motivos que podem levar as trocas na economia do dom a falharem, como ocorre em qualquer sistema econômico. Na medida em que aprendemos um 'jogo' econômico mais raro se tornam os fracassos.
Como proponho aqui não usar para itens de sobrevivência, a economia do dom não vai extinguir uma comunidade, mas pelo contrário, pode salvá-la.


Possíveis motivos para fracassos

- A oferta foi desvalorizada
Eu vivo numa região onde é fácil produzir laranjas. Se eu oferto laranjas para um vizinho é bem provável que essa oferta seja considerada irrelevante e não produza o desejo de retribuir.
Dar algo que já possuíam, dar algo que não se encaixa por algum motivo às necessidades do outro pode fazer a oferta ser desvalorizada.
As soluções são: conhecer melhor o parceiro, fazer novas ofertas ou ampliar a raridade dos bens ofertados.
Mas é bem provável que algum presente seja menosprezado em algum momento de qualquer maneira. 

- A oferta foi ofensiva
Na medida em que temos um contraste cultural maior com nosso parceiro, maior é a chance de fazermos uma oferta que causa indignação ou repulsa.
Quem faz a oferta precisa entender que cometeu um erro que precisa ser remediado. 
Como possíveis soluções coloco a diplomacia e realizar uma nova oferta, adequando-se melhor às necessidades do parceiro.

- Expectativas frustradas
Muitas expectativas podem se criar: 
- Um parceiro vai continuar mantendo as ofertas que esta realizando.
- Um parceiro vai dar uma grande retribuição já que recebeu uma grande oferta.
O erro aqui está na expectativa.
Alguém poderia dizer que isso mostra como o sistema não é digno de confiança e os outros são melhores. Mas entendam que quanto mais confiamos num sistema mais nos tornamos vulneráveis às suas falhas. 

- As ofertas ameaçaram a sobrevivência
Acho difícil de imaginar isso acontecendo no mundo ocidental, tão ligado a realidade material, consumismo, egoísmo.
Mas por algum motivo, foi doado muito e não houve um retorno que compensasse isso.
Não resta muito a fazer além de pedir ajuda.
Toda a comunidade duradoura tende a passar algum momento de crise econômica independente do sistemas que utilize. E diante desta ameaça é melhor estar num sistema mais solidário.

- O parceiro não sabe como retribuir
O parceiro pode ficar com receio de a retribuição ser insignificante diante da oferta. Pode achar que a outra comunidade é rica demais para que qualquer retribuição seja significativa.
Acho que isso é errado, não precisa ser retribuído de uma só vez, não há um prazo para a retribuição, podemos conhecer melhor o parceiro. Não há comunidade que seja tão rica a ponto de não se surpreender com algum presente que receba.
Quem está na posição de receber a retribuição não tem muito a fazer neste caso. A única medida valida que imagino é realizar uma nova oferta, visando excluir outras justificativas para não estar havendo retribuição.


Boas maneiras

Em primeiro lugar, nunca cobre uma contrapartida. Nem insinue que sua comunidade está esperando uma retribuição. Está é a maior gafe possível. Nem mesmo faça isso se sua comunidade esteja numa situação crítica. Claro que podem pedir ajuda e até devem fazer isso se não são capazes de resolver com meios próprios. Mas não coloquem tal ajuda como se fosse uma obrigação. Não importa o quanto vocês já doaram para a outra comunidade.

Cuidado para não ofender o outro com o seu presente. Busque conhecer o outro e se tiver dúvidas não arisque.

Aceite as recusas de presentes com naturalidade. Pode ocorrer do outro recusar por sentir constrangimento em aceitar o presente instantaneamente. É preciso ter habilidade para distinguir se a recursa é séria ou não.

Retribua os presentes que recebe. Pode parecer bem difícil retribuir ainda mais que o sistema mais comum de economia do dom não dá muito espaço para recusas, e assim fica mais difícil de saber se a contrapartida agradou. Mas faça um esforço e garanta a alegria daqueles que te fizeram bem.    


Conclusão

A economia da dádiva é extremamente poderosa. O capitalismo lembra para mim um casino, onde um jogador ganha, muitos perdem, mais a banca é que sempre se dá bem. No sistema que proponho aqui não há espaço para a 'banca'. Todos os jogadores podem ganhar pois simplesmente não estão disputando a mesma coisa. Isso empodera as pessoas e comunidades e portanto não esperem que os donos do casino divulguem este sistema.

Brinquem com este jogo.
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