Trecho de um trabalho sobre plantas alimentícias não convencionais
Por Valdely Ferreira Kinupp
Malpighiaceae
Byrsonima ligustrifolia A. Juss. (MURICI) Esta é uma espécie rara no RS e assim como muitas outras espécies do gênero Byrsonina (e.g., B. crassifolia (L.) Kunth) possui frutos comestíveis in natura e com potencial para preparação de sucos, geléias e sorvetes. Esta espécie faz parte da riqueza de frutíferas do RS proposta Brack et al.(2007). Não foi encontrado nenhum trabalho fitoquímico ou bioecológico sobre esta espécie. Recomenda-se trabalhos de coleta e cultivo (propagação sexuada e assexuada) desta frutífera. Salienta-se que é uma espécie com distribuição restrita no Estado, com registros até o momento em Viamão e região (RMPA) e no Litoral Norte.
Dicella nucifera Chodat (CASTANHA-DE-CIPÓ) Esta é uma espécie pouco conhecida e com poucas coletas nos herbários RMPA. No entanto, durante o presente estudo a espécie foi coletada em diferentes regiões do RS (Bento Gonçalves, Nova Prata, Taquara e Vacaria) e suas amostras foram depositadas no Herbário ICN. É citada como produtora de castanhas comestíveis (HOEHNE, 1946; RAGONESE & MARTÍNEZ-CROVETTO, 1947; MARTÍNEZ-CROVETTO, 1968; MATTOS, 1978; SILVEIRA, 1985). Lorenzi et al. (2006) descreve sucintamente e ilustra a espécie. No presente estudo a espécie foi fartamente consumida - amêndoas cruas ou torradas. Estas amêndoas apresentam grande potencial para produção de doces (paçoca, pé-de-moleque) e sorvetes (assim como é produzido sorvetes com amêndoas, nozes, castanha-do-pará e amendoim, entre outras castanhas). As amêndoas também podem ser fonte de óleos alimentícios e ou ter outras finalidades. Estudos fitoquímicos e bromatológicos são urgentes. É um gênero carente de informações bioecológicas. No presente estudo foi observado que mesmo plantas jovens possuem raízes tuberosas lenhosas ou batatas subterrâneas. Em plantas adultas de Nova Prata foram coletadas batatas lenhosas com aproximademente oito quilogramas (8 kg). Provavelmente é o primeiro registro deste órgão subterrâneo desenvolvido, para esta espécie e ou mesmo para o gênero, pois na sua revisão nenhuma consideração sobre esta característica é feita (CHASE, 1981). Estes órgãos lenhosos merecem análises morfo-anatômicas e químicas, pois podem ser fontes de compostos com interesse farmacêutico, assim como outras estruturas lenhosas da família utilizadas na medicina popular, e.g., o nó-de-cachorro - Heteropterys aphrodisiaca O. Mach. (MORS et al., 2000). Dicella nucifera na natureza produz uma boa quantidade de frutos, os quais são providos de tricomas que em contato com o corpo causam coceira. Portanto, cautela é recomendável no momento da colheita, especialmente se esta for feita com uso de vara, pois com o impacto, os tricomas soltam-se e espalham-se no ar. No manuseio não ocorrem incômodos ou irritações.
Todavia, Martínez-Crovetto (1968) cita que os Guaranis assavam estas castanhas com casca e somente depois descascavam-nas. Esta forma de consumo é factível com o uso de brasa ou borralha. Para o consumo doméstico, recomenda-se abrir-se a castanha ao meio com uma faca, retirando as amêndoas inteiras. É uma espécie promissora para cultivo; a germinação é alta e muito rápida. Os frutos colhidos maduros devem ser mantidos dentro de sacos plásticos semifechados, geralmente, emitem a radícula em no máximo uma semana e podem ser semeados em sacos plásticos com solo já pré-germinados. O crescimento inicial é rápido devido às reservas das amêndoas. Mas, o crescimento a campo parece lento, ao menos no plantio experimental do presente trabalho. Frisa-se que este plantio foi feito a pleno sol e não pareceu adequado, recomendando-se plantios sob luz indireta ou difusa. Em ambientes inicialmente sombreados, talvez o crescimento seja mais rápido. Trabalhos agronômicos neste sentido são importantes. Dados preliminares sugerem que a propagação por estacas não é muito promissora, houve formação de calos, mas não de raízes adventícias com uso de 0, 1.000 e 2.000 ppm de AIB (LISBÔA et al., 2005). No entanto, novos estudos são necessários. A propagação a partir da coleta de mudas e ou ramos enraizados de populações silvestres mostrou-se eficiente. Frisa-se que no Norte do Paraná (Londrina, Rolândia, Arapongas, ...) e também na região de Foz do Iguaçu (PR) esta espécie é muito abundante nos escassos fragmentos de floresta e mesmo nos barrancos e nas beiras de estradas e rodovias, infelizmente totalmente negligenciadas em meios às grandes extensões de monocultivos de soja.
Malvaceae
Abutilon megapotamicum (Spreng.) A. St.-Hil. & Naudin (BENÇÃO-DE-DEUS) Flores de Abutilon spp. foram usadas no passado como alimento pelos Guaranis (BERTONI apud KELLER, 2001). No entanto, Keller (op. cit.) afirma que os Guaranis entrevistados, recentemente desconhecem suas virtudes alimentícias. Esta espécie é mundialmente cultivada como ornamental, mas como o epíteto específico sugere (mega = grande; potamicum = rio, ou seja, alude ao Rio Grande do Sul) é nativa. Suas flores podem ser consumidas diretamente ou utilizadas em saladas diversas ou cozidas sobre o arroz, ou curtidas na cachaça. As flores carecem de estudos fitoquímicos e bromatológicos.
Ceiba speciosa (A. St.-Hil.) Ravenna (PAINEIRA) Esta espécie é comumente encontrada na literatura sob o basônimo Chorisia speciosa A. St.-Hil. e circunscrita na família Bombacaceae. Beleski-Carneiro et al. (2002) reportam que as cascas das sementes em contato com água formam um hidrogel composto por ramnose, galactose e ácido urônico. Segundo Petrocini et al. apud Beleski-Carneiro (1999) suas sementes contêm alto teor de proteína e fornece até 22% de óleo, predominantemente insaturado. Beleski-Carneiro (1996) também relatam a ocorrência de complexos de polissacarídeos ácidos nas sementes. Beleski-Carneiro et al. (1996) citam que as sementes desengorduradas fornecem cerca de 40% de proteína. Di Fabio et al. (1982) citam que o tronco quando sofre injúria mecânica exsuda goma polissacarídica. Beleski-Carneiro (1999) quantificaram que o pericarpo corresponde a 71% do total dos frutos; paina (15%) e sementes (14%) e relatam que os frutos maduros (mesocarpo), antes da deiscência, quando lesados (já removidos da planta-mãe, cortados e mantidos em solução aquosa) secretam um exsudato que contém ramnose, arabinose, xilose, manose, glicose, galactose e ácido glicurônico. Estes autores sugererem que este exsudato atue na defesa natural na espécie, mas também enfatizam o potencial econômico das gomas na indústria alimentícia. Sabidamente as gomas são usadas indústria alimentícia como aditivos importantes para fornecer a consistência e textura de alimentos industrializados, e.g., a goma arábica e a goma Guar. As gomas são usadas, por exemplo, como espessantes e aditivos não calóricos em alimentos dietéticos. Pesquisas aplicadas utilizando a goma da paineira precisam ser realizadas, assim como trabalhos para o aproveitamento do óleo de suas sementes, seja para finalidades alimentícias (aromático, agradável e com boas aplicações na culinária), cosméticas ou farmacológicas.
As folhas bem jovens, do ápice dos ramos, são citadas como sendo utilizadas como hortaliça no interior de Minas Gerais (BOTREL et al., 2006). Os usuários das folhas relatam a semelhança com o quiabo devido à baba ou mucilagem. Esta mucilagem foi estudada fitoquimicamente por Luffrano & Caffini (1981) em quatro espécies de Chorisia.
Estes autores ressaltam a importância quimiotaxonômica da mesma. As folhas jovens são saborosas e no presente estudo foram consumidas refogadas (tornando-se bem mucilaginosas), cozidas, ensopadas, em bolinhos fritos (tempurah) e trituradas no liquidificador (também folhas mais maduras) para preparo de pães e bolos. Folhas jovens (tenras, verde-claro ou ainda avermelhadas) cruas também foram, ocasionalmente, consumidas durante caminhadas de campo. Estas folhas jovens avermelhadas podem ainda atuar como alimentos funcionais pela presença das antocianinas. No Brasil, poucas são as hortaliças folhosas arbóreas. Na África, hortaliças folhosas arbóreas são mais comuns, contemplando diferentes famílias, inclusive um parente da paineira, o baobá ou baobab (Adansonia digitata L.), que tem suas folhas até comercializadas. Ceiba speciosa é uma espécie de múltiplos usos alimentícios (hortaliça perene, oleaginosa e gomífera), além fonte de fibras (painas) têxteis e artesanais e madeira. Em relação aos usos alimentícios a espécie carece de estudos bromatológicos e tecnológicos. As folhas foram analisadas em relação conteúdo mineral e proteína (KINUPP, 2007). As flores merecem ser avaliadas quimicamente e testadas, pois espécies próximas têm flores e botões florais comestíveis, e.g., Bombax ceiba L. (FELIPPE, 2003 e KUNKEL, 1984). Cita-se que as flores de C. speciosa (chá) são utilizadas para tratar coqueluche (calmante para tosse) segundo levantamento etnobotânico de Marquesini (1995).
Gaya pilosa K. Schum. (GUANXUMA) Espécie geralmente ruderal de importância alimentícia secundária, cujas pequenas flores amarelas são comestíveis, tendo sido constantemente consumidas in natura, em trabalhos de campo durante o presente estudo. Nenhuma informação adicional foi encontrada.
Guazuma ulmifolia Lam. (MUTAMBA) Segundo Pérez-Arbeláez (1956, p. 718-719), é uma espécie de ampla distribuição pela América Tropical, o que pode ser visto pela diversidade de nomes populares. Este autor cita a produção de goma (mucilagem) comestível a partir da casca cortada de molho na água, frisando que é cristalina. Menciona ainda o uso desta mucilagem fazer a barba. As mulheres a utilizam como creme de cabelo (para pentear), sendo inclusive utilizada na indústria para produzir cosméticos (gomina). O uso da casca na garapa (caldo de cana) de Guazuma tomentosa Kunth (uma espécie muita próxima), clareia a rapadura segundo Pott & Pott (1994).
Alguns autores consideram esta espécie como sinônimo de G. ulmifolia. Esta mesma aplicação tem a casca G. ulmifolia na Costa Rica para o clareamento do açúcar mascavo, relato oral de um técnico de Centro Ecológico de Dom Pedro de Alcântara RS que lá esteve. Lorenzi & Matos (2002) relatam este uso também na região canavieira do Ceará.
Segundo estes autores, pedaços do caule desta espécie são fervidos e o extrato mucilaginoso obtido é utilizado como agente clarificante do caldo de cana durante a fervura no fabrico caseiro de rapadura. Esta mucilagem e sua ação clarificadora carecem de estudos fitoquímicos específicos para explicar seu mecanismo de ação e este potencial precisa considerado pelo setor de engenharia e tecnologia de alimentos, pois pode ter aplicações úteis na indústria alimentícia em geral. Segundo Pérez-Arbeláez (op. cit.), os frutos secos (na realidade somente as sementes são comestíveis, pois os frutos são lenhosos), quando mascados têm sabor de carne assada, daí nome popular chicharrón (=torresmo) em El Salvador. Logo, as sementes moídas podem ser um condimento, aromatizante para carnes e outros pratos com grande potencial.
As sementes foram consumidas cruas no presente estudo, tornando-se ligeiramente mucilaginosas durante a mastigação. Também foram consumidas cozidas (liberando muita mucilagem), torradas (agradáveis) e, principalmente, sob a forma de picolé industrializado adquiridos (Fruta do Cerrado®, Goiânia, GO). É uma espécie pouco conhecida no RS, mas é bastante freqüente e até abundante em algumas localidades (e.g., bases do Morro do Itacolomi - Gravataí (vide coletas no Herbário ICN); Estância Velha; Igrejinha; Três Coroas; Taquara; Campo Bom, entre outros munícipois da RMPA e ou vizinhos). Esta espécie carece de trabalhos fitotécnicos de propagação, cultivo (especialmente em sistemas agrosilvopastoris) e análises bromatológicas das sementes e mucilagem.
Hibiscus diversifolius Jacq. (HIBISCO-DO-BANHADO) Esta espécie é fortemente relacionada a H. sabdariffa L. (vinagreira, rosela ou greselha), inclusive também possui os calículos, cálices carnosos e as folhas com sabor acidulado. Cita-se que estes órgãos são pilosas. Kunkel (1984) cita que as flores são consumidas cozidas com outros alimentos.
Facciola (1998) cita as folhas jovens são consumidas cozidas (hortaliça). No presente estudo, as flores foram consumidas diretamente in natura e em saladas mistas, bem como cozidas sobre arroz e curtidas na cachaça (corante). As folhas, apesar de fortemente pilosas (não sendo, portanto muito recomendáveis) foram cozidas e consumidas ensopadas e também finamente picadas (folhas bem jovens e cruas) e utilizadas para fazer bolinhos. O sabor é agradável (acidulado, como da vinagreira). As flores inteiras (pétalas e porção reprodutiva) foram secas e analisadas em relação ao teor protéico e mineral, destando-se em alguns minerais (KINUPP, 2007). Esta espécie ainda apresenta potencial como fornecedora de fibra têxtil (WILSON, 1967), sem mencionar o grande potencial ainda subutilizado. Progaga-se muito facilmente por estaquias, enraizando-se em poucos dias quando mantidas dentro d'água e também quando plantadas diretamente a campo, especialmente em solos brejosos. Espécie cultivada no Jardim Botânico de Porto Alegre e alvo de pesquisas com fins ornamentais. Carece de análises fitoquímicas e bromatológicas tanto das flores quanto das folhas. Estas mesmas análises são recomendáveis para as sementes, apesar de poucas sementes terem sido encontradas nas populações espontâneas na RMPA e RS.
Hibiscus striatus Cav. (PAPOULA-DO-BREJO) As flores são comestíveis e foram consumidas no presente estudo. São flores grandes, macias e muito interessantes para decoração de saladas e para sobremesas. As sementes são abundantes e merecem estudos fitoquímicos e bromatológicos, especialmente para avaliar os teores e tipos de óleo.
Progaga-se muito facilmente por estaquias, enraizando-se em poucos dias quando mantidas dentro dágua. Espécie cultivada no Jardim Botânico de Porto Alegre e alvo de pesquisas com fins ornamentais. A situação taxonômica do grupo não é clara. Irgang & Gastal Jr.(1996) citam sob Hibiscus cf. cisplatinus A. St.-Hil., mas ressalvam que provavelmente exista mais de uma espécie com flores róseas. Pott & Pott (2000) citam que H. cisplatinus e H. striatus ssp. lambertianus Blanch. ex Proct. são sinônimos de H. striatus, nomenclatura aqui seguida. Mas, frisa-se que a fotografia apresentada nesta referência (p.199) é significativamente distinta da figura disponível no presente estudo. Estes autores citam que na espécie do Pantanal o estigma é branco. Nos exemplares observados no RS o estigma é intensamente vermelho e estilete ou coluna estaminal é que é branco, além das variações das folhas.
Hibiscus selloi Gürke (HIBISCO) Espécie muito similar a anterior. Especialmente as flores merecem avaliações sensoriais e fitoquímicas, mas provavelmente também as folhas jovens e as sementes.
Pavonia communis A. St.-Hil. (ARRANCA-ESTREPE) É uma espécie com potencial ornamental e que carece estudos básicos e aplicados. Suas flores podem ser consumidas diretamente ou em saladas cruas, mas é de importância secundária. Pelo nome deve ter alguma aplicação medicinal para facilitar a expulsão de farpas e estrepes.
Sida rhombifolia L. (GUANXUMA) Citada por GHEDINI et al. (2002) como usada (folhas) para dar sabor (gosto ao chimarrão). Esta espécie é usada como hortaliça em algumas regiões da África do Sul, inclusive ocasionalmente sendo desidratada e armazenada (SHACKLETON et al., 1998). Côrrea & Penna (1984, v. III, p. 579) também relatam que as folhas novas são excelente forragem para cavalos, ovelhas e porcos e que em algumas regiões são consumidas cozidas pelas pessoas e utilizadas como sucedâneas do chá da Índia (chá-verde), daí os nomes chá-inglês (Brasil), faux-thé (Ilhas Maurício) e erva do chá (Portugal). Estes autores citam também que no passado foi usada para adulterar a erva-mate, prejudicando sua qualidade. Esta espécie é citada como de uso alimentício em Coatepec (México) e sua fitomassa disponível (parte de interesse alimentício) foi quantificada em áreas antrópicas por Díaz-Betancourt et al. (1999).
Sida spinosa L. (GUANXUMA) Espécie com usos similares a S. rhombifolia, mas de importância secundária. Esta espécie é citada como de uso alimentício em Coatepec (México) e sua fitomassa disponível (parte de interesse alimentício) foi quantificada em áreas antrópicas por Díaz-Betancourt et al. (1999).
Fonte:
http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/12870
- Veja também:
Receitas de Geléias
Farinha de cascas de ovos
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Boa noite, sou do Rio de Janeiro, como posso conseguir sementes das malváceas acima. Obrigado.
ResponderExcluir