Por Roberto Magno de Castro e Silva
O bambu sempre esteve presente na cultura e na vida diária do homem primitivo de todos os continentes com exceção da Europa que não tem o bambu na forma nativa. O uso do bambu no oriente remonta há quase cinco mil anos e há mais de quinhentos anos na América do Sul. Na cultura chinesa, o bambu é símbolo de amabilidade, modéstia e serenidade, no Vietnã é tido como um irmão, e na Índia como ouro verde. Nos tempos mais remotos o bambu era empregado na fabricação de arcos e flechas, habitações, utensílios domésticos, embarcações e outros. Mais tarde o bambu foi matéria prima na construção da primeira lâmpada, avião e bicicleta (Salgado et al, 1992). Nos dias atuais os colmos e folhas do bambu são largamente empregados na produção de papel, desinfetantes, baterias, tecidos, cervejas e outra centena de usos.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2004), o Brasil apresenta um déficit de 200 mil hectares anuais de florestas plantadas para consumo. Tal situação tem levado a importação de madeira serrada proveniente do cone sul, especialmente do Uruguai que se encontra no raio de operação das indústrias moveleiras do Sul do país. Por outro lado, a baixa oferta de lenha e carvão já é um fator restritivo para a expansão da indústria brasileira. O bambu embora seja uma gramínea, possui características agronômicas e tecnológicas que o torna uma matéria prima alternativa a madeira e capaz de fazer frente às demandas emergente de diversos setores da indústria de base florestal. No mundo, particularmente na Ásia, existe produção em grande escala de parquetes, painéis, móveis, papel e tecidos provenientes do bambu. Na Índia, China e Colômbia esta planta está inclusa em vários programas governamentais de fomento e pesquisas relacionados ao seu cultivo e aproveitamento industrial.
No Brasil a exploração do bambu praticamente se restringe aos usos tradicionais como balaios, tutores na agricultura e construções provisórias. A exceção mais expressiva é a produção de papel cartão duplex de Bambusa vulgaris, por uma empresa nordestina com uma capacidade instalada de 72 mil toneladas anual. O uso desta matéria prima na movelaria, construção civil e indústria ainda se encontram num estágio bastante rudimentar no Brasil. Na contra-mão desta situação arquitetos, engenheiros, artesãos e alguns pesquisadores vêm estudando e confirmando o grande potencial econômico e social desta matéria prima. Os resultados obtidos com estes estudos apontam para uma necessidade de mais investigações científicas relacionadas aos aspectos silviculturais e dos usos múltiplos do bambu.
O bambu na construção civil
No setor da construção civil, o uso do bambu é bastante difundido na Ásia e em outros países da América Latina, como Peru, Equador, Costa Rica e Colômbia, onde vários exemplos de edificações confirmam sua potencialidade. Para o uso do bambu em grande escala como material de engenharia economicamente viável se faz necessário um estudo científico sistemático. Estes estudos devem contemplar técnicas de cultivo, colheita, cura, tratamento e pós-tratamento, além de uma completa análise estatística das propriedades físicas e mecânicas do colmo do bambu inteiro (Ghavami & Marinho, 2001).
Até o presente, e de um modo geral, o emprego do bambu em construção se faz de forma empírica baseado geralmente nos sistemas tradicionais estabelecidos em cada país, e que algumas vezes estão regidos por crenças e critérios que, por serem equivocados, interferem na evolução da arquitetura e na aplicação mais adequada desse material (Salgado et al., 1992). Entretanto edificações luxuosas, verdadeiras obras primas do ponto de vista arquitetônico, tem sido construídas para atender uma demanda cada vez maior de pessoas de alto poder aquisitivo. Vale neste caso, ressaltar o trabalho dos arquitetos Oscar Hidalgo e Simon Vélez na Colômbia que pela sua técnica refinada tem difundido o uso adequado do bambu na construção civil.
Os colmos do bambu possuem excelentes propriedades físicas e mecânicas que podem ser utilizadas em lugar do aço para fabricação de estruturas de concretos (Ghavami, 2001). Diversos trabalhos foram conduzidos em vários países atestando a qualidade do bambu como material para construção quando se considera a suas características físicas e mecânicas. As propriedades mecânicas do bambu são fortemente afetadas pela idade, espécie e teor de umidade. Contudo segundo (Pereira, 2001) o teor de fibras é o principal responsável pela sua resistência. O bambu alcança sua resistência máxima a partir dos três anos quando atinge a sua maturidade e colmos secos são mais resistentes do que os verdes. Existe um aumento na resistência do colmo à tração e compressão até os seis anos de idade e até oito anos na resistência à flexão, ocorrendo uma diminuição de todas estas características em colmos mais velhos.
A densidade dos bambus varia entre 500 a 800 kg/m³, dependendo principalmente do tamanho, quantidade e distribuição dos aglomerados de fibras ao redor dos feixes vasculares. Estas diferenças são menores mais perto do topo, devido ao aumento da densidade na parte interna e redução na espessura da parede, que apresenta internamente menos parênquima e mais fibra (Pereira, 2001).
Em virtude da orientação das fibras serem paralelas ao eixo do colmo, o bambu resiste mais à tração do que à compressão. O módulo de elasticidade varia em função da posição do colmo. Nos nós, o valor do módulo de elasticidade é maior em virtude da concentração de sílica. Na parte externa este valor é cerca de 14% maior que na parte interna. (Ghavami, 2001).
O conforto térmico proporcionado pelas construções com bambu é outra boa característica que qualifica este material para a construção. Através de experimentos (Ghavami, 2001) comprovou que a condutividade térmica do bambu para uma transmissão de calor radial é 15% menor do que para madeira, nas mesmas condições de umidade. Para uma transmissão de calor longitudinal, a condutividade é 25% menor que na madeira.
As construções com bambu devem contemplar projetos com beirais bastante avançados com o intuito de evitar a sua exposição à chuva e sol. Os pilares não devem tocar diretamente o piso seguindo desta forma sabedoria popular colombiana que diz: construções com bambus carecem de boas botas e um bom chapéu.
A celulose do bambu para a fabricação de papel e tecido
A capacidade mundial de produção de polpa de celulose está em torno de 1,46 milhões de toneladas, aproximadamente 80% das quais estão na China e Índia (Desai & Rao, 2004).
As espécies dos gêneros Eucalyptus e Pinus são os maiores fornecedores de fibras para a produção de celulose no Brasil. Os Pinus sp constituem importante fonte de fibra longa para produção de celulose, mas essas espécies apresentam crescimento relativamente lento e são desaconselhadas para o reflorestamento em várias regiões do Brasil (Gomide et al, 1982). O bambu não obstante apresentar características agronômicas e tecnológicas altamente desejáveis na obtenção de celulose, não foi tão bem estudado quanto estas duas espécies e, portanto carece de mais pesquisas para este fim. Estes estudos deveriam ser direcionados não só ao processo industrial, mas também aos aspectos agronômicos como nutrição, espaçamento e avaliação das diferentes espécies de bambus existentes no Brasil.
O bambu como matéria prima para papel tem as fibras estreitas como a do Eucalyptus sp e longas como as do Pinus sp, proporcionando um perfeito entrelaçamento e conferindo grande resistência aos produtos fabricados (Itapagé, 2005). No que se refere aos aspectos agronômicos, supera estas duas espécies devido a sua maior facilidade de cultivo e adaptação a solos marginais e a uma maior amplitude climática.
No Nordeste brasileiro são cultivados mais de quarenta mil hectares de Bambusa vulgaris para a produção de pasta celulósica (Itapagé, 2005). As duas unidades de celulose pertencentes a um mesmo grupo se localizam nos municípios de Coelho Neto, no Maranhão e Jaboatão dos Guararapes no Estado de Pernambuco. A capacidade instalada é de 72 000 toneladas/ano e já iniciou um plano de expansão que elevará a produção anual de papel para 144 000 toneladas/ano. O bambu é submetido ao corte raso e picado na floresta por meio de picadores móveis. Já na fábrica é peneirada e a fração não adequada à produção do papel é destinada à geração de energia. O papel produzido além de atender os padrões de exigência do mercado não apresenta nenhum resíduo de enxofre. O processo de produção de pasta celulósica de bambu tende a ser mais viável quando associado à produção do álcool a partir da sacarificação do amido presente nos seus parênquimas. O amido contido nos cavacos reduz a conversão em celulose ou fibras celulósicas e eleva o consumo de reagentes demandados no processo de deslignificação Azzini & Gondim-Tomaz (1996).
Azzini etl al.(1987) concluiu ser tecnicamente possível a produção conjunta de etanol e fibras celulósicas a partir do bambu. Os rendimentos em fibras celulósicas (46,85 a 56,04%) e etanol (12,77 a 14,79 litros/100 kg de cavacos) foram mais elevados nas regiões mediana e ponta dos colmos mais velhos. O rendimento em fibras brutas ou fração fibrosa (69,35 a 76,35%) foi mais elevado nos cavacos provenientes dos colmos mais novos. Para a extração do amido é necessário o rompimento das células parenquimáticas através de um processo mecânico e químico. Em seguida o amido é separado por arraste em água. Os efeitos da concentração de hidróxido de sódio, tempo de tratamento, tempo de desfibramento e idade dos colmos na extração do amido de bambu foram estudados por Azzini & Gondim-Tomaz (1996).
O Bambu na produção de carvão
O bambu como biomassa para a geração de energia tem um grande potencial tanto na forma de lenha como para a produção de carvão. O poder calorífico do carvão de bambu não difere muito do eucalipto que é a matéria prima de referência para este fim (Tabela 6).
O carvão de bambu apresenta uma grande vantagem em relação ao de qualquer outra lenhosa quando destinado à produção de carvão ativado. Tal vantagem diz respeito ao fato do carvão do bambu apresentar aproximadamente o dobro da área de superfície do carvão proveniente das outras matérias primas. Isto confere a carvão do bambu um maior poder de adsorção de sólidos e gases. O carvão do bambu tem, entre outras, aplicações na medicina e filtros de alto rendimento.
O bambu na movelaria e artesanato
A inconstância na oferta da matéria prima de qualidade e padronizada é um dos principais fatores restritivos à expansão da indústria moveleira no Brasil. Grande parte desta oferta tem como origem as florestas nativas que nos últimos anos tem sido reduzida por força da legislação ambiental e da própria redução dos estoques naturais. O bambu roliço ou laminado se constitui numa excelente alternativa a madeira na fabricação de móveis.
Na Ásia existe uma intensa produção de móveis e artesanatos de bambu destinado ao mercado interno e de exportação. Para tanto os artesãos deste continente dominam uma refinada técnica que qualifica tais produtos para um mercado exigente. Já no Brasil o emprego do bambu para este fim se dá numa intensidade muito abaixo do potencial. De um modo geral são poucos os móveis produzidos em bambu no Brasil com a qualidade dos asiáticos e Colombianos. Diferentemente dos países asiáticos, a espécie mais empregada no Brasil para este fim é o Phyllostachys aurea, em detrimento dos bambus de maior diâmetro. Esta espécie apresenta a vantagem de ser facilmente curvada mediante aquecimento das suas fibras e ter uma grande resistência ao ataque de Dinoderus minutus, caruncho do bambu. Na Colômbia, talvez motivado pela sua abundância e domínio sobre os processos de imunização, a espécie Guadua angustifolia é a mais empregada na fabricação de móveis.
O emprego do bambu laminado colado, devido ser um material totalmente padronizado, em relação ao bambu roliço, proporciona uma maior flexibilidade na produção de móveis seriados. Estes móveis devido à resistência e aos seus aspectos estéticos podem, sem restrições, concorrer no mercado dos móveis de madeira sólida. Nas páginas especializadas da rede mundial de computadores, pode ser encontrada uma grande oferta destes móveis a partir da palavras-chaves “bamboo furniture” ou “bamboo flooring”. O laminado de bambu é produzido e exportado em grande escala por vários países na Ásia.
Koga et al (2002) realizaram um estudo comparativo da resistência ao desgaste abrasivo de laminados de ipê, peroba-rosa, maçaranduba e Dendrocalamus giganteus Neste estudo o sautores concluiram que o laminado de bambu teve uma resistência à abrasão semelhante ou superior aos demais laminados das outras espécies. Um problema relativo à produção de laminados de madeiras e bambus é o uso de adesivos a base de fenol-formaldeído. Este produto apresenta alguns fatores negativos, tais como: consumo de energia por precisar de altas temperaturas para a cura (130°C a 160°C), o preço alto do fenol e a toxidade. Um adesivo alternativo é o poliuretano à base de mamona que é impermeável, inofensivo ao meio ambiente e ao ser humano. Sua cura é processada com temperatura ambiente, podendo ser acelerada com temperatura de 60°C e estima-se que quando colocado no mercado poderá atingir preços bem satisfatórios (Dias & Lahr ,2003).
No Brasil ainda não existem fábricas de móveis de bambu laminado e as pesquisas para o desenvolvimento desta tecnologia são tímidas.
O bambu é reconhecidamente um dos materiais mais versáteis para a produção de artesanato. Isto se deve ao fato de ser o bambu uma matéria prima de fácil obtenção, barata e que demanda ferramentas simples na sua transformação. Além disso, o bambu é também um material de grande plasticidade e de fácil combinação com outros materiais, permitindo ao artista ou artesão expressar o seu talento nas mais variadas formas. Aceita facilmente a colagem, responde bem ao acabamento com lixa e verniz e pode ser utilizado na sua forma natural cilíndrica ou plana quando desdobrado.
As varas mais finas dos bambus, após serem cheias com areia fina, podem sem maiores dificuldades, serem curvadas com a aplicação de fogo. Tal procedimento pode também ser realizado com ar quente, vapor e água quente, apresentando estes métodos à vantagem de não carbonizar o bambu nos pontos em que se deseja curvar.
O bambu é um material amplamente solicitado na produção de instrumentos musicais tais como saxofones, flautas, alguns instrumentos de corda e percussão. Existem bandas e orquestras que usam exclusivamente instrumentos de bambus nas suas apresentações.
A cestaria é outra linha de artesanato com bambu produzido em escala para exportação principalmente nos países asiáticos. A excelente qualidade da cestaria destes países se deve a boa qualificação da mão-de-obra e também a disponibilidade de máquinas que auxiliam no processo de produção.
O bambu na alimentação humana
A utilização no Brasil do bambu como alimento é pouco difundida, se restringindo praticamente as pessoas de origem asiática. Na Ásia o broto do bambu, conhecido como “bamboo shoot”, constitui-se numa importante fonte de divisa sendo produzido em sistema artesanal e industrial para o mercado interno e exportação (NMBA, 2004).
O bambu no meio rural
O uso do bambu no meio rural no Brasil se dá de forma bastante rudimentar e muito a baixo das potencialidades desta planta. A confecção de balaios ou jacás para o transporte de milho é tão comum que este recipiente se transformou numa unidade de medida no comércio deste cereal no meio rural. As regiões produtoras de tomate tutorado demandam uma grande quantidade de varas de bambu para o tutoramento desta cultura. É freqüente a aquisição destes tutores de regiões que distam mais de quinhentos quilômetros das áreas cultivadas e isto tem elevado significativamente o custo deste insumo. As espécies preferidas para este fim são Bambusa tuldoides e Phyllostachys aurea.
O bambu é uma matéria prima com grande potencial para a melhoria da qualidade da habitação rural brasileira. São muitos os moradores da zona rural que mesmo dispondo deste material em suas propriedades, se privam de uma moradia adequada por desconhecimento das melhores técnicas de construção com bambu. É importante considerar ainda que toda a mobília e vários utensílios domésticos podem ser confeccionados a partir desta matéria-prima.
O bambu a exemplo da Colômbia e outros países, pode ser empregado também na construção de galpões, estábulos, pontes, cochos, galinheiros e outras necessidades desde que se promova a capacitação do trabalhador rural para este fim.
Pereira (1997) desenvolveu um método bastante funcional que permite a irrigação por aspersão por meio de tubos de bambus confeccionados a partir dos colmos de Dendrocalamus giganteus. Este sistema de irrigação foi mantido em funcionamento durante seis anos quando se empregou bambus tratados e durante um tempo médio de um e dois anos quando utilizado bambus não tratados.
Fonte:
http://www.embambu.com.br/imagens/bambu_brasil_mundo.pdf
ou
http://br.dir.groups.yahoo.com/group/bambu-brasil/message/21065
- Veja também:
Videos Construção com Bambu
Cedrella fissilis (Cedro)
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acho muito interessante e gostaria muito de inteirar-me dessa técnica.
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