22 de agosto de 2012

Fazendo Dinheiro para a Comunidade

Por Adrian Rupp

Organização de uma comunidade Parte 3:
Fazendo Dinheiro para a Comunidade
Planejamento estratégico
Legalização de uma comunidade
Terras coletivas


Indice geral:
Parte 1: Economia não monetária, hierarquia, tomada de decisões
Parte 2: Tamanho da população, entrada e saída de membros

Fazendo Dinheiro para a Comunidade

É fácil dizer para quê se precisa dinheiro e difícil explicar porque não precisamos dele diante de pessoas criadas numa cultura capitalista. Mas mesmo com um ideal anti-capitalista é difícil uma comunidade se manter ou se desenvolver totalmente sem dinheiro. A questão que se apresenta é como produzir este dinheiro.

Como já coloquei uma forma é as pessoas trabalharem fora da comunidade e contribuirem. Penso que é bem razoável uma pessoa entregar 50% do seu salário para a comunidade. A maioria da população gasta a maior parte do seu salário com alimentação, moradia, água, energia, e na medida em que a pessoa tem parte destes recursos fornececidos pela comunidade me parece completamente válido uma contribuição de 50% do salário.

Mas vejo apenas alguns membros trabalhando fora, caso contrário a comunidade em si não se desenvolve, o que faz necessário outras fontes de renda:

1 Estratégia dos curso/eventos

Comum em comunidades em formação utilizar sua estrutura para realizar cursos ou eventos e assim manter sua sustentabilidade monetária. Tem um funcionamento bem prático e fácil. Porém tem alguns pontos perigosamente falhos. O problema que vejo mais sério é a diferença entre cliente e possível membro. Quando trocamos dinheiro por um serviço temos expectativas de como será este serviço e estabelecemos uma relação comercial com as pessoas. Tal relação é muito diferente da relação de dádiva que imagino ser o ideal entre membros de uma comunidade. As relação comerciais envolvem cobranças e uma atitude impessoal com o outro. Não creio que haja algo de errado com isso, o problema é que é difícil uma relação de dádiva nascer dentro de uma relação monetária. Ou estamos trazendo possíveis membros novos para conhecer a comunidade, ou estamos trazendo clientes que vão usufruir da comunidade pois pagaram para isso. Claro que para uma comunidade que quer se organizar com relações monetárias entre os membros isso não é um problema, mas numa comunidade que se aproxima de uma comuna, isso atrapalha muito. Além disso, essa fonte de renda é muito vunerável a crises economicas pois as pessoas cortam esse tipo de gasto. Acho que fazer cursos e eventos é importante para qualquer comunidade, mas não acredito nisso como uma fonte de renda recomendável.

2 Agroindústria
Algumas comunidades produzem alimentos e fazem um processamento, produzindo frutas desidratadas, geléias, frutas em calda, etc. É mais complexo desenvolver uma agroindústria do que fazer eventos, mas creio que o resultado é muito melhor. Em primeiro lugar pode-se vender tais alimentos para quem nunca irá visitar a comunidade ou nunca iria contribuir de forma nenhuma para o desenvolvimento da comunidade. Estamos colocando energia no sistema assim. Em segundo lugar tais alimentos e estrutura industrial será útil até mesmo num mundo pós-capitalista. Numa situação de crise a comunidade pode consumir tais alimentos. Observem que a agroindústria comparada com os cursos tem um grande contraste de vunerabilidade econômica. Todo o tipo de crise e situação de contingência irá acontecer ao longo do tempo e em diferentes quadros vejo as comunidades baseadas em cursos desaparecendo e as comunidades das agroindústrias sobrevivendo.

3 Outras ecoindústrias
Quando falo em indústrias aqui me refiro a produção, tanto com o auxílio de máquinas quanto de métodos mais artesanais. O que escrevi da agroindústria também vale para outras 'ecoindústrias': produção de móveis de bambu, bicicletas de bambu, sistemas para a produção de energia limpa, potes de barro, cestaria, brinquedos de madeira, roupas, etc. Nestes casos há um potencial ainda maior de sucesso econômico num mundo pós-capitalista pois poucas comunidades produzem excedentes deste tipo.

4 Produtos primários
Um desenvolvimento que pode ser simples de começar e pode ser a base para uma futura agroindústria é vender itens primários renováveis: alimentos não processados, lenha, bambu, madeira, etc.

Um exemplo: Uma comunidade relativamente isolada, em clima subtropical, sem vocação para o cultivo de trigo, cria uma pizzaria aproveitando a proximidade com um ponto turistico.

Diagnóstico: Alta vunerabilidade econômica.
Sem cultivar o próprio trigo que consome, nem possuindo vizinhos que produzem trigo muito menos farinha de trigo, está totalmente refém das ocilações do mercado de farinha de trigo e de longos transportes para trazer o trigo.
Turismo é sazonal e sensível a crises economicas. As pessoas não gastam com isso quando estão com pouco dinheiro. Algum acontecimento na região pode afastar os turistas ou esse ponto pode ficar para trás na concorrencia com outros pontos que também competem pelos turistas.
A abertura de outro local mais bem preparado pode 'roubar' os clientes.

Qualquer empreendimento que busca produzir dinheiro sofre forte concorrência. Assim para o sucesso é preciso atender muitos requisitos e para o fracasso basta falhar em um.

Alguns pontos que creio que são importantes:
- Respeitar os talentos e limitações das pessoas que estão na comunidade
Criar um negócio que aplica os talentos e experiências anteriores das pessoas.

- Respeitar as vocações e limitações do ambiente da comunidade
Criar um negócio que tira proveito dos recursos renováveis que a comunidade tem ou poderá ter em abundancia.

- Evitar a vunerabilidade diante de crises econômicas
Preferir produzir as materias-primas ou parte delas. Preferir produzir artigos de necessidade em vez de artigos de luxo. Criar um negócio que sobreviva até mesmo num mundo pós-capitalista.

Imagino a participação no negócio da ecovila como sendo voluntária. Até porque vejo os desenvolvimentos não-monetários como sendo mais importantes para a sobrevivência da comunidade. Na primeira parte falei das vantagens da economia não-monetária, e nem cheguei a citar que o império brasileiro fica com aproximadamente 40% do nosso dinheiro, principalmente na forma de impostos sobre o consumo. O dinheiro de fato é uma ferramenta de dominação e cada vez que o usamos estamos beneficiando a centralização de poder.

Planejamento estratégico

No mundo empresarial existe uma ferramenta chamada 'planejamento estratégico'. Basicamente é a definição de valores, metas, slogans, missões, etc. Penso que é válido adaptá-la para a criação de comunidades.

Valores
Acho importante a comunidade tornar consciente seus valores. Valores são as coisas que a comunidade valoriza, tanto pode ser coisas materiais quanto ideais. Exemplos: Meio ambiente, desenvolvimento humano, água potável, honestidade, amor, conhecimento, Jesus Cristo, bicicletas, marijuana, etc. É fácil não dar exemplos suficientemente bons aqui, porque realmente as comunidades podem valorizar qualquer coisa. Assim os fundadores, ou outro coletivo da comunidade defini entorno de 10 valores principais e explica cada um em uma frase. Isso facilita a compreensão das pessoas de fora de como é a cultura da comunidade, o que a comunidade tem como importante ou sagrado.

Missão
Esse item não é tão importante como o primeiro. Pode não se aplicar a todas as comunidades. Diz respeito a comunidade definir sua função diante da realidade maior, seja ela a humanidade, a criação, o planeta, o universo, etc. As comunidades não necessariamente possuem uma missão diante da realidade externa a ela.

Metas
Mesmo no paradigma empresarial é bem complexo definir metas e objetivos. Se são muito ambiciosas nunca são alcançadas e se tornam desistimulantes, se são muito pouco ambiciosas são alcançadas com excessiva facilidade e também se tornam desistimulantes. Saindo da busca por lucro definir metas fica ainda mais complexo. Alvos as comunidades sempre terão: ou querem aumentar a população, ou melhorar a captação de água, ampliar a produção de alimentos, etc. A questão que fica é se há a necessidade de documentar isso tudo. Por um lado pode se ganhar clareza em relação aos desafios que precisamos enfrentar, por outro podemos perder tempo falando de ações em vez de agir.

A Ecovila Tibá parece ter utilizado essa ferramenta:
http://www.ecovilatiba.org.br/site/projeto-missao-visao.html

Legalização de uma comunidade

Esse tema é bastante polêmico. Existe uma série de alternativas: associação, cooperativa, fundação, OSIP, ONG, RPPN, religião.
Penso que a definição está diretamente ligada a como será a posse de terras na comunidade.
Eu não domino esse tema, mas até onde vi, associação ou religião parecem ser as melhores alternativas. OSIP pelo que vi envolve várias vantagens, porém envolve várias exigências. Religião pode dispensar os membros do alistamento militar, dispensar as propriedades de impostos, creio que pode ampliar a autonomia cultural da comunidade. Hoje criar uma religião é mais simples que criar uma associação, cooperativa, etc. porém creio que tais facilidades desaparecerão no futuro.

Cooperativa exige um mínimo de 20 membros e está necessáriamente ligada a atividade monetária.
Condominio hoje tem regras bem rigidas e não vejo como um caminho válido.
Associação me parece mais livre, e pode ser proprietária de terras, o que é interessante para as comunidades que querem ter terras de posse coletiva.
Sobre fundações eu não entendo nada.

Destaco que a comunidade pode possuir mais de uma forma legal.

Quando legalizar?
Para mim o momento em que se destaca a necessidade de legalização é a compra ou coletivização do terreno. Porém, existem questões ligadas ao trabalho das pessoas na comunidade. Já houve casos de pessoas pedindo reembolso pelo trabalho realizado para a comunidade (pelo menos em outros países). Deste modo há uma necessidade de documentação e de legalização para enfrentar esse tipo de ameaça.

Claro que algumas comunidades podem optar por alternativas menos oficiais, principalmente se forem nomades, mas acho que o melhor é evitar o conflito com o sistema vigente e obtar por estabelecimentos mais fixos, enquanto isso for possível.

Terras coletivas

Sou partidário da coletivização das terras da comunidade. Assim cada pessoa seria 'dona' de sua casa e de uma pequena área ao redor apenas enquanto estivesse morando em tal casa. Esse sistema (como todos) tem suas vantagens e desvantagens. Não vou falar das desvantagens porque isso já tá na cultura dominante:
- Melhor para comunidades de economia mais coletiva e planificada.
- Sem risco de uma familia ou individuo vender seu lote e com isso reduzir o território da comunidade.
- Sem picuinhas do tipo: teu lote é melhor do que o meu, só trabalho no teu lote se tu trabalhar no meu, etc.
- Mais concentração das casas e mais espaço para florestas, agricultura e contingencias.
- Casas mais próximas das estruturas de uso comum: refeitórios, oficinas, cozinhas, etc.
- Casas não ficariam ociosas só porque o dono abandonou a casa.

Normalmente o terreno da comunidade é fracionado, garantindo uma recuperação do capital investido na comunidade por um membro que resolve abandonar a comunidade. Mas notem que deste modo o dinheiro do indivíduo é protegido e a comunidade fica desprotegida. Creio que as pessoas devem investir no projeto da comunidade quando possuem laços de confiança e entender o dinheiro investido como não reembolsável. A possibilidade de reaver o dinheiro significa uma possibilidade de um indivíduo enfraquecer a comunidade. Acho ridículo quando as pessoas antes do casamento dizem 'se der errado é só separar', certo que existe o risco de não dar certo, mas é preciso o mínimo de seriedade e não ver isso como uma experiência fútil. Todos estão colocando energia, tempo e capital no projeto, e fica bastante injusto se aquele que colocou energia, tempo, etc. não pode reembolsar seu investimento, mas aquele que colocou capital pode.

Estou colocando o meu entendimento sobre o tema, existem muitas comunidades, principalmente ecovilas, que funcionam no sistema de lotes. Isso é especialmente indicado quando os membros são pessoas que tem posses, justamente conquistaram essas posses pois valorizam isso, mas além disso tem interesse em viver em comunidade. Mas por outro lado, existem pessoas que não tem posses e nem querem ter, possuem outros objetivos que são muito úteis na comunidade.

A questão da posse de terras muitas vezes pode se resumir em uma palavra: segurança. Se eu não gostar da vida nesta comunidade e quiser ir embora é só vender minha parte e voltar para a cidade grande. Mas eu proponho outra abordagem e outra fonte de segurança, adequada ao paradigma comunitário e a um mundo pós-capitalista.

1º Proponho que a pessoa tenha a real dimensão de onde está se metendo antes de fazer uma mudança mais definitiva, como descrevi na parte 2.

2º Proponho que a pessoa que não se adequou possa fazer uma nova transissão, para uma nova comunidade, como também descrevi acima.

3º Proponho relações intercomunitárias baseadas na solidariedade, em outro texto que escrevi, onde todo o trabalho que fazemos por uma comunidade ainda vamos colher quando estivermos em outra comunidade. Assim nada será realmente perdido. É como uma árvore que plantamos para ter frutos, mas o terreno ficou com amigos ou parentes. Talvez nem chegamos a comer algum fruto mas nossos amigos e parentes sim, e no novo terreno que estamos também tem uma árvore nos esperando como a que deixamos para os outros.

4º Proponho uma realidade onde existe muito mais o nosso trabalho do que o meu trabalho. Se pude fazer essa mesa de bambu, porque alguém vez meu almoço, outro colheu o bambu, outro plantou, outro fez a oficina em que trabalhei, outro me ensinou a fazer, etc. Até que ponto posso dizer que a mesa é minha porque fui eu que fiz ela? Simplemente chega um ponto que fica bobo e desperdiça muita energia descobrir exatamente quem fez o quê e quanto mérito teve. De outro modo ainda fica bem mais eficiente se faço com outras pessoas do que se tento fazer tudo sozinho. Claro que todo mundo vai ver que tinha um que tava com a mão na massa e outro que passeava ou só conversava. O problema é que as vezes nós valorizamos muito o nosso trabalho e não vemos o trabalho do outro. E ai surge o sentimento sem sentido: 'fui explorado'.

Conclusão

Existem muitos medos em relação a vida comunitária. Medo de se perder poder, de ficarmos sem nossos queridos vicios. Vamos sim perder algumas coisas entrando na vida comunitária. Mas toda comunidade de sucesso dá uma vida boa para seus membros. Quem entra não quer sair. No império somos mão de obra, máquinas, números. Na comunidade somos pessoas, seres humanos, em tempo integral. Se mudar para uma comunidade é recuperar nossa humanidade.

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