15 de fevereiro de 2012
Organização de uma comunidade
Por Adrian Rupp
Passei alguns anos idealizando como gostaria que fosse a organização de uma comunidade intencional. Pensei que por nunca ter sido testado na realidade não deveria ser descrito, mas mudei de ideia. Talvez eu possa apresentar alternativas novas ou pouco conhecidas, ou pelo menos produzir reflexões sobre isso o que já seria interessante.
Tomada de decisões
Existem textos bem interessantes sobre poder e tomada de decisões em comunidades. Basicamente existem algumas alternativas:
- Um líder que toma as decisões:
Pessoalmente não me agrada muito este sistema e ele é em geral mal visto no movimento comunitário. Ele parte do pressuposto de que uma das pessoas tem mais capacidade de tomar decisões do que as demais ou do que a soma das demais. Ele permite uma tomada rápida de decisões mas exige confiança e fidelidade das demais pessoas para que as decisões sejam cumpridas. Pode-se dizer que está na lógica 'poder sobre' e não 'poder com', mas por outro lado este 'poder sobre' só funciona com a autorização das pessoas. Creio que este sistema enfraquece as comunidades pois torna todos muito dependentes de uma única pessoa em vez de desenvolver a liderança e a capacidade de tomar decisões em várias pessoas.
- Eleições e votos:
Pessoalmente vejo este sistema como sujo e medíocre. Mas tentando ser honesto vou apresentar seus pontos positivos também. Este sistema permite rápida tomada de decisões, entrete as pessoas num jogo de competição e ensina elas a usar a criatividade para burlarem regras e vencer a disputa. Sinceramente acho vergonhoso chamar isso de democracia ainda mais se for na forma de uma 'democracia representativa'. Mesmo na esfera comunitária este sistema pode levar a compra de votos, mas o efeito mais prejudicial é formar um grupo de vencedores e outro de vencidos. Os vencedores governam sobre os vencidos e no contexto comunitário isto significa que parte da comunidade pode boicotar decisões ou até mesmo abandonar a comunidade por não concordar com uma decisão. É um sistema que produz desunião, o que enfraquece a comunidade. Porém, não descarto a possibilidade de algumas comunidades encontrarem um caminho de fazer este sistema funcionar, ou o sistema do líder único também.
- Consenso:
O sistema que eu mais simpatizo e que é mais desconhecido das pessoas. Ele parte do pressuposto de que ninguém é dono da verdade, mas que todos possuem uma parcela da verdade. Assim todos precisam ter voz e serem escutados, e destas várias vozes se produz decisões mais aprimoradas. Para cada reunião uma pessoa faz o papel de moderador, para organizar a reunião e garantir que todos poderão se expressar. Um tempo limite é definido para a reunião e caso não se atinja o consenso o tema é levado para uma nova reunião. Como pontos negativos as decisões tendem a ser tomadas mais lentamente, e exige um treinamento por parte da maioria das pessoas que estão acostumadas com o sistema de votos, onde que se impõe uma decisão em vez de construir uma decisão coletivamente. Vejo uma série de vantagens: Várias pessoas são treinadas no processo a tomar decisões, durante as reuniões as pessoas se tornam conscientes do que representa esta decisão em termos de vantagens e desvantagens, e as pessoas se comprometem mais em cumprir com o que foi decidido. Existem vários sistemas de consenso com regras particulares e suas particulares qualidades e defeitos.
Consenso 90 e Participação
Idealizei uma forma de consenso particular. Por diferentes motivos atingir um consenso absoluto é mais difícil que atingir um consenso quase absoluto. Acredito que é suficiente 90% aprovarem a decisão construída. Assim num grupo com 9 pessoas ou menos, comum no início de uma comunidade, haveria a necessidade de um consenso absoluto. A partir de 10 pessoas a decisão poderia ser tomada sem a concordância de uma das pessoas. Claro que o objetivo não é ser excludente, então haveria a intenção de formar o consenso absoluto e aproveitar o entendimento que está presente em cada um, porém, na inviabilidade de chegar numa decisão razoável que agrade a todos, se aceitaria a discordância de 10% dos presentes. Os objetivos são:
1) Impedir que alguém seja capaz de impossibilitar a tomada de decisões;
2) Garantir que o processo não se torne lento demais;
3) Explicitar a afinidade do indivíduo para com o grupo.
Alguém que repetidamente está presente nos 10% é uma pessoa com baixa afinidade de entendimento com os demais. Isso pode significar que esta pessoa está na comunidade errada e o grupo pode ajudá-la a encontrar outra comunidade onde ela seja a maioria. Mas é claro que ser repetidamente parte dos 10% não é crime e portanto estes não deveria sofrer nenhum tipo de descriminação ou convite para se retirar da comunidade. As pessoas que são diferentes da maioria completam as comunidades de uma forma muito especial. Elas estão sempre mostrando o que a maioria não percebe e isso é muito importante. Por outro lado não podemos nós tornar reféns da minoria, tendo que sempre acatar seus caprichos. Sei que não soa bonito falar em qualquer forma de exclusão, mas mesmo numa idealização não posso conceber algo que foge do que conheço da realidade. E vejo como um problema tanto a ditadura da maioria quanto a ditadura da minoria. No caso do contexto comunitário, é mais perigosa a ditadura da minoria que pode engessar ou desestruturar uma comunidade, do que a ditadura da maioria, que pode ser superada facilmente mudando-se para outra comunidade.
Como fazer centenas de pessoas participarem ativamente das decisões
Dentro do ideal democrático existe a assembleia, onde centenas ou milhares de pessoas tomam decisões diretamente. É tudo muito bonitinho na idealização democrática, mas pessoalmente vejo como um sistema bem falho:
1º Não há necessidade de todos decidirem tudo para termos uma boa democracia.
2º Ninguém tem conhecimento sobre todas as áreas.
3º Assembleia exploram o lado mais emocional e irracional do ser humano. Existem técnicas de mover uma multidão para uma determinada decisão. São técnicas sutis e poucos dominam ou conhecem.
4º Assembleias andam com votos. Não tem como dar voz a centenas ou milhares de pessoas numa reunião, a única forma de a assembleia funcionar é com redução de pensamento. O indivíduo é obrigado à se identificar com um dos dois grupos e silenciar seu pensamento particular.
Assim, vejo o ideal da assembleia perigoso, já que pode levar multidões a serem manipuladas e acreditarem que tomaram decisões democraticamente. Porém, cada comunidade é livre para escolher sua forma de organização. E cada forma tem seu conjunto particular de vantagens e desvantagens.
Bem, então estamos diante do grande problema da democracia: Como garantir que o poder esteja com todos?
Já exclui a assembleia como solução válida. Ela garante a participação de todos, porém de uma forma limitada pelo pouco espaço para a expressão do entendimento de cada um e para uma reflexão mais profunda.
A solução que idealizei foi algo tipo grupos de trabalhos: As pessoas seriam reunidas em grupos que decidiriam sobre áreas específicas. Haveria um grupo principal de aproximadamente 10 pessoas que tomaria as decisões gerais da comunidade. Na medida em que a comunidade fosse crescendo formariam-se mais grupos que assumiriam áreas específicas, como por exemplo alimentação, saúde, abastecimento de água, roupas, etc. Deste modo, mesmo uma comunidade com centenas de pessoas, poderia permitir que todos participassem ativamente das decisões.
Por exemplo, se sou um dos fundadores da comunidade, farei parte do seu grupo principal, posso me retirar deste grupo e/ou entrar num grupo temático de acordo com meus interesses e crescimento da comunidade ou permanecer no grupo principal.
Se entrei recentemente numa comunidade antiga, posso me candidatar para um grupo temático ou para o grupo principal. Ou mesmo posso não ter interesse de participar de grupo nenhum.
Para garantir que todos tenham voz é necessário limitar o número de pessoas em cada reunião, mas garantir que haja grupos suficientes que tomam decisões importantes para que todos possam participar. Assim, na medida em que a comunidade cresce o poder do grupo principal se pulveriza em vários grupos temáticos. Não poderíamos permitir que alguém participasse de vários grupos pois isso significaria uma grande assimetria de poder. Cada grupo teria um limite de membros, algo entorno de 14 pessoas. Membros de uma temática poderia assistir reuniões de outras desde que se mantiver em silêncio.
Quando alguma decisão não agrada os demais membros da comunidade, que não estavam na reunião que produziu tal decisão, o membro da comunidade pode se dirigir diretamente aos que estavam na reunião e expor seu ponto de vista. Em contra partida qualquer um que estava presente na reunião é capaz de explicar os motivos que levaram a tal decisão. No fim tal decisão pode ser revista numa reunião futura.
Entendo que nem todas as pessoas tem sempre interesse em participar das decisões e creio que isso deve ser levado em conta. Deve haver espaço para os apolíticos e para os políticos. Mas como a ideia é uma democracia real, não deve haver espaço para alguém conquistar cada vez mais poder sobre os demais. Claro que uma pessoa que não participava de nenhuma reunião e entra num grupo conquistou mais poder, ou alguém que passa a representar a comunidade num grupo exterior. Mas isso é diferente de uma escalada de poder onde alguém pode acabar controlando toda a comunidade ou várias comunidades. Como ocorre no império.
A participação em grupos exteriores à comunidade é importante. É necessário um treinamento específico e é interessante para a segurança da comunidade que várias pessoas tenham a capacidade de representar a comunidade num determinado fórum externo. Isso envolve conhecimento de línguas e do funcionamento particular de cada fórum, reunião, assembléia, etc. Enquanto o Brasil for um império não haverá respeito pelas comunidades e se fará necessário participar de reuniões em câmara de vereadores, assembleias legislativas, comitês, etc., onde vale a lei do mais forte e normalmente o mais forte é o interesse capitalista. Por causa disto muitas comunidades se retiram destas reuniões, mas há também casos de vitórias e respeito à comunidades então participar também pode se justificar.
Enfim, enquanto o sistema de voto explora a competitividade, o sistema de líder único explora o comodismo, o sistema de assembleia explora o emocional, o sistema que proponho explora a racionalidade. Podem contra argumentar dizendo que o ser humano não é tão racional para que este sistema funcione. Mas percebam que não é uma questão de como o ser humano é, mas como o ser humano é induzido a ser. O sistema de voto por exemplo, torna o ser humano mais competitivo, desenvolve em mim a capacidade de impor a minha vontade sobre os demais. No sistema de consenso sou desafiado a entender a vontade dos demais e produzir um entendimento entre a minha vontade e a vontade deles. Talvez a única coisa que podemos dizer sobre a natureza humana é a capacidade de adaptação que temos. Um ser humano pode tanto viver para atender os caprichos de um líder, quanto entrar numa guerra por votos ou se reunir para tomar decisões coletivamente. A diferença é o contexto em que ele vive.
No fim tudo fica mais fácil quando estamos tomando decisões com pessoas que vivem na mesma comunidade que nós. Apesar de parecer que o desequilíbrio é o padrão universal, se observa bastante o fenômeno das melancias que se ajeitam com o andar da carroça. É preciso entender os significados ocultos, como no exemplo do voto. Por trás do sistema do voto está a competitividade, está um grupo de vencedores e um grupo de perdedores. Basta comparar este sistema com outros sistemas para se perceber que não é todo sistema que transforma o poder em disputa. Os significados ocultos aparecem quando colocamos as coisas em perspectiva. Assim, qualquer detalhe da realidade humana pode ser reavaliado e tudo pode realmente funcionar de um modo diferente do padrão.
Economia não-monetária
Antes de tudo é preciso esclarecer uma coisa: Existe a econômia monetária e a economia não-monetária.
Quando uso meu fogão solar isso é uma atividade econômica, estou produzindo recursos econômicos e utilizando recursos econômicos. Mas não estou usando dinheiro. Uma energia que estava livre e solta foi utilizada por mim o que gera riqueza para mim e/ou minha comunidade. Este é um exemplo de economia não-monetária. Por outro lado, posso cozinhar alimentos usando um gás que comprei. Uma energia que estava presa e armazenada foi adquirida com dinheiro produzido com outra energia. Este é um caso de economia monetária, pois envolve dinheiro. Notem minha malícia em ter usado um exemplo em que a economia não-monetária trouxe riqueza para mim e/ou minha comunidade e a economia monetária deixou eu ou minha comunidade próximos do empate. Para quem não entendeu o 'trouxe riqueza': a luz solar estava 'sem uso' na comunidade, mas com o fogão solar ela se torna um recurso e entrou no sistema. O que entra no sistema se torna riqueza econômica. Na real nem fui tão malicioso pois dinheiro dificilmente entra no sistema, ele simplesmente é trocado. Por isso é muito mais fácil ficar rico numa economia não-monetária do que numa economia monetária. E é claro, numa economia não-monetária ficar rico significa ter muitos recursos e não significa ter muito dinheiro.
Claro que posso calcular quanto dinheiro economizei por ter utilizado um fogão solar em vez de usar um fogão à gás. Mas isso não transforma uma economia não-monetária numa economia monetária.
Para enriquecer numa economia monetária normalmente é necessário explorar outras pessoas. Algumas empresas geram lucro explorando os funcionários enquanto outras explorando os clientes. O mercado faz com que a maioria das relações econômicas seja apenas uma troca de 6 por meia duzia. Assim, as pessoas ao longo de suas vidas acumulam bens materiais que trocaram por seus esforços e seus tempos de vida. Apenas perderam algumas coisas para ganharem outras o que é riqueza material, mas de um ponto de vista mais amplo não ganharam nada e nem perderam.
Numa comunidade voltada para a economia não-monetária enriquecer é mais fácil. Usando energia solar estamos adicionando riqueza ao sistema, usando água da chuva estamos adicionando riqueza ao sistema, usando energia eólica estamos adicionando riqueza ao sistema, etc. O trabalho de cada um deixa de ser pulverizado pelo império para se somar na comunidade (Pagando impostos e comprando estamos espalhando a energia do nosso trabalho). Quando trabalhamos para terceiros por dinheiro grande parte do nosso trabalho deixa de ser nosso: parte o terceiro usa, outra parte vira impostos e lucro de empresas. Numa comunidade posso ser 100% dono do meu trabalho: uma parte é minha outra é da comunidade, mas o trabalho de outros na comunidade também é aproveitados por mim e eu sou também parte da comunidade, assim não há perda.
Ficamos mais pobres no império comprando água, comida, eletricidade, transporte até o trabalho, usando celulares, telefones, internet, etc. Todas estas perdas podem ser suspensas numa comunidade autossustentável.
O Caminho Mais Fácil
Esta questão da economia não-monetária, do fogão solar, tantos outros exemplos, mostram que as coisas não são tão difíceis quanto pensamos que são. Na realidade fomos ensinados a seguir pelo caminho mais difícil: viver em cidades, usar eletricidade para tudo, produzir dinheiro em vez de produzir o que queremos comprar com o dinheiro, lutarmos para sobreviver sozinhos em vez de lutarmos juntos, buscar o que está longe de nós em vez de aproveitar o que está perto, etc. Tudo em nome da conveniência do império, embora alguns pensem que o império nós fornece o melhor modo de vida que já existiu.
A agricultura é outro exemplo:
1º Gastamos recursos para destruir a cobertura vegetal incluindo plantas medicinais e alimentícias. Consequentemente o solo fica exposto ao Sol e a chuva tornando-se fraco. Gastamos mais recursos para compensar isso.
2º Gastamos recursos para plantar plantas exóticas não adaptadas ao ambiente local.
3º Fazemos grandes monoculturas que são verdadeiros criadouros de pragas. Gastamos mais recursos para compensar isso.
Acho que nem preciso seguir adiante. O pior é que isso não é apenas o que ocorre na produção de alimentos, mas em cada área que supre as necessidades humanas como saúde, moradia, água, transporte, telecomunicações, etc. E se nota claramente que não é uma questão de falta de conhecimentos ou incompetência, é simplesmente a natureza do império capitalista: quanto mais problemas melhor. O agricultor lá na ponta do sistema de fato não tem conhecimento, ou melhor, não tem o conhecimento libertador. Pode possuir vastos conhecimentos sobre a química do solo, nutrição das plantas, e todo o tipo de informação que estabelece uma forma certa e outra errada de fazer as coisas. E na educação capitalista a forma certa de fazer as coisas é a forma que nos torna dependentes.
Apesar de todo essa cultura de valorizar o caminho difícil e tratá-lo como sendo o único caminho, numa comunidade intencional podemos superar isso, usar tecnologias e conhecimentos que produzem independencia, ensinar e sermos ensinados sobre o modo fácil de fazer as coisas funcionarem. No caso da agricultura existe a agrofloresta e as PANCs, na saúde os vários tratamentos alternativos como a urinoterapia e as plantas medicinais, na energia a energia dos ventos e a energia solar, nos transportes o furoshiki, na informática o Linux e tantos outros exemplos de soluções que tornam tudo mais fácil e ainda ajudam a aumentar nossa independência.
Talvez para alguns acabei de citar um monte de coisas difíceis. De fato para quem está de fora parece difícil, sair de um sistema e entrar noutro exige esforço, porém, depois de se conhecer os dois sistemas e colocando-os lado a lado certamente que agrofloresta é mais fácil que agricultura convencional e assim por diante.
Contribuições Financeiras
Um assunto que gera muita polêmica na organização de comunidades é como cada membro deve ajudar com dinheiro na comunidade.
O primeiro problema que vejo se repetir é tornar o poder monetário um critério de seleção para a entrada na comunidade. Isso é começar absurdamente errado. Participar de uma comunidade não é algo que deveria ser comprável e parte do fracasso de muitas comunidades está relacionado a não saber conduzir esta questão. O que realmente deveriam ser critérios de seleção é a afinidade com os ideais da comunidade e com as pessoas que já participam dela e a capacidade de se adaptar ao modo de vida da comunidade. Só isso já exclui milhares de pessoas e se adicionarmos o critério financeiro fica inviável encontrar pessoas suficientes para a comunidade. Na prática o que ocorre é que o critério financeiro é mantido e os demais critérios que sugeri são menosprezados e assim temos membros pouco comprometidos com o desenvolvimento coletivo e a comunidade tende a ser pobre e acaba por desaparecer.
O segundo problema são as injustiças produzidas quando exigimos um valor fixo de contribuição inicial ou mensal. As pessoas tem diferentes capacidades de produzir dinheiro e também produzem dinheiro em quantidade diferente ao longo do tempo. Dez mil reais é um valor fácil de pagar para alguns, um valor possível de pagar para outros e impossível de pagar para outros tantos. Assim é injusto exigir o mesmo valor de todos.
O terceiro problema é o ideal desumano que tem se disseminado no movimento comunitário, onde só pessoas que podem ser exploradas pela comunidade se tornam membros, excluindo pessoas com dificuldades físicas, mentais ou financeiras. Creio que é ariscado ser contrário a caridade, uma vez que qualquer um pode a qualquer momento necessitar também da caridade alheia.
Por outro lado, normalmente uma comunidade precisa de dinheiro para ser fundada ou mantida. As pessoas se sentem mal quando contribuem para uma comunidade ou fundam uma e outros se tornam parte sem contribuírem na mesma medida. Pessoalmente creio que esse tipo de sentimento não tem cabimento. É ridículo querer que todos contribuam da mesma forma pelos motivos que já expus. A mesma pessoa que hoje é o maior contribuinte da comunidade pode ser um inútil amanhã e vice-versa.
É irônico a preocupação que tem em serem explorados por alguns irmãos, quando estão de fato sendo explorados por milhares de políticos e capitalistas desconhecidos.
Bem, por todo esse quadro que visualizo só resta uma abordagem: A comunidade deve buscar produzir excedente financeiro e econômico e compensar pessoas que trazem baixo retorno. Alguns podem questionar: - Por que os mais 'produtivos' devem sustentar os 'improdutivos'? Eu respondo, porque é isso que nós faz humanos. Não eliminamos um semelhante só porque ele é inútil para nós. E como argumento mais avassalador basta observar as comunidades mais bem sucedidas, tanto indígenas quanto as ocidentais intencionais. Todas elas mantem indivíduos que poderiam ser vistos como inúteis pelo olhar econômico. E em contra partida as comunidades menos 'caridosas' são justamente as mais estagnadas economicamente. Penso que existe uma explicação econômica para isso: os ditos 'inúteis' se somam aos ditos 'úteis' para formar a riqueza social da comunidade. Os seres humanos necessitam de vida social assim sendo mesmo um 'inútil' é um recurso social da comunidade. Outra explicação é a mistica que diz que precisamos fazer a energia fluir e no momento em que paramos de dar iremos parar de receber. Claro que se a comunidade, noutro extremo, for um bando de pessoas que não é capaz de sustentar seu modo de vida ela desaparecerá.
Alguns podem trabalhar fora da comunidade para ajudar na sustentabilidade monetária, e/ou a comunidade pode produzir algo para vender.
Trabalho
Vale lembrar que não há necessidade numa comunidade intencional de separar trabalho de lazer e de aprendizado. Uma pessoa que se exclui das atividades econômicas da comunidade está se excluindo também do lazer, do aprendizado e do convívio social. Pessoalmente acredito que trabalhar é uma atividade prazerosa mas que se tornou uma tortura no mundo capitalista. O capitalismo trata o trabalhador como uma máquina, exigindo horários, produtividade, metas, e repetir mecanicamente ações idênticas durante anos, mesmo quem faz trabalho intelectual. Podemos inverter essa lógica e deixar de pensar 'qual o trabalho a pessoa faz' para pensar 'qual pessoa o trabalho faz'. Em vez de o trabalho ser uma ferramenta para o desenvolvimento de um império, o trabalho pode ser uma ferramenta para o desenvolvimento do indivíduo. Podemos assim usar o trabalho para tornar o indivíduo poderoso em vez de usar o trabalho para tornar o império poderoso. E uma comunidade de indivíduos poderosos é uma comunidade poderosa. E aí vem a pergunta: - Por que então o império não tenta tornar as pessoas mais poderosas também? Simplesmente porque pessoas poderosas não precisam de impérios. Mas pessoas poderosas ou não, precisam de comunidades.
Parte das pessoas no império trabalham para pagarem para fazerem atividades físicas e compensar a falta de atividades físicas que possuem. Para piorar algumas ainda pagam carros e empregados que reduzem ainda mais suas atividades físicas. Isso é simplesmente irracional, mas se explica numa sociedade que se desenvolveu acreditando que atividades físicas estão destinadas à escravos ou pessoas inferiores.
O fato é que para nosso desenvolvimento integral precisamos de atividades físicas e mentais e o trabalho pode nos fornecer isso em abundância. Basta que não dediquemos anos a fazer sempre a mesma coisa e ter sempre as mesmas carências de desenvolvimento. Na minha comunidade ideal posso acordar e decidir ir para a oficina de costura e no dia seguinte ir para a marcenaria, assim por diante, me tornando um ser cada vez mais completo em vez de me tornar um ser cada vez mais limitado.
Deste modo, não vejo motivo para instituir metas de produtividade individual, definir horas mínimas diárias de trabalho comunitário, etc. O trabalho pode ser livre normalmente, com exceção de itens urgentes e trabalhos desgostosos (tipo limpar banheiros públicos), nestes casos é necessário encontrar estratégias alternativas como benefícios aos que realizam o trabalho desgostoso ou fazer um revezamento.
Hierarquia
Outro tema muito polêmico no movimento comunitário. Existe um ideal anárquico que busca acabar com a hierarquia. Pessoalmente acho que a hierarquia é um fenômeno natural. Se estou na oficina mecânica e tem alguém com mais conhecimento que eu lá, é normal que esta pessoa lidere a oficina e se estabeleça uma relação de aprendiz e mestre entre nós. O mesmo para pessoas que estão mais tempo na comunidade, pessoas que tem qualidades mais valorizadas pela comunidade, etc. Por sinal não existe cultura humana sem um ideal de ser humano e nisto já está as origens da hierarquia.
Mas por outro lado, existe a concentração de poder, o abuso de poder, que ocorrem quando a hierarquia se torna exacerbada. Mas creio que o ambiente da comunidade desenhada aqui não é fértil para que isso ocorra. Alguém pode ser o grande mestre marceneiro, mas seu poder vai ficar limitado a marcenaria. Ou indo mais além, alguém é o grande mestre marceneiro e ao mesmo tempo um dos membros mais antigos da comunidade e membro mais influente em um dos grupos temáticos. Imaginemos ainda que nenhum outro membro da comunidade esteja próximo do poder deste. Este seria um quadro extremo, mas ainda assim, as decisões estão pulverizadas pelos grupos temáticos e esta pessoa de fato não alcançou um padrão de consumo diferente dos demais.
Quem você valoriza mais?
A resposta rápida: Para mim todos são iguais.
Falso, só observar comentários do dia a dia ou mesmo que pessoa você está buscando se tornar.
O que se observa por aí: Valorização de pessoas 'bonitas', 'poderosas', com alto padrão de consumo, com títulos reconhecidos pelo império, promovidas nos meios de comunicação de massa, etc.
A sobrevivência de uma comunidade muitas vezes está ligada a valorização das pessoas que mais contribuem. Acho que isso é bonito, justo. O que vejo como feio é as pessoas valorizarem os bem feitores do império que as explora. E lembrando mais uma vez que sempre haverá um grupo mais valorizado, a grande questão é quais são os critérios para definir quem serão estes.
Numa comunidade onde as pessoas tem laços emocionais e convivem juntas a tendência é não haver muita diferença de valorização entre as pessoas. Talvez muitos vão valorizar o grande mestre marceneiro do exemplo anterior, mas a valorização vai ser permeada por critérios subjetivos de cada um, e no fim todos vão ser valorizados.
Finalizando
Deve ter ficado difícil de entender alguns pontos, já que coloco tudo de forma objetiva, e gosto de fazer provocações.
Mas estou aberto para responder dúvidas.
De qualquer forma, tanto na prática quanto na teoria, organizar uma comunidade é uma tarefa de aperfeiçoamentos constantes. Não creio que exista a receita definitiva, que pode ser aplicada em todos os casos.
Existem outros detalhes que gostaria de tratar mais creio que o texto já está longo demais para o padrão Internet.
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Já valeu a reflexão...
ResponderExcluirOlá,
ResponderExcluirGostei muitíssimo desse artigo e gostaria de entrar em contato com o seu autor. São muitas as perguntas que tenho já que por muitos anos venho investigando o tema de comunidades alternativas. Vejo que me aproximo do ponto de abandonar velhos valores e estilo de vida para experienciar a vida de forma mais condizente com as minhas crenças e natureza. Por favor, entre em contato comigo pelo email asgaard777@gmail.com.
Obrigado, Marcos Antonio
Olá pessoal ,gostaria de morar em uma comunidade ,,vcs ai pódem me ajudar ..entrar em contato com alguém
ResponderExcluirola.
ResponderExcluirgostei muito da ideia do consenso 90, compartilho do mesmo sentimento sobre sistemas de lideranças ou de votos. também gostei da crítica à assembleia.
tenho uma sugestão: ao formar grupos de 10 pessoas, ao invés de focar o grupo em áreas específicas, pois especialização é o oposto da organicidade e diversidade individuais e coletivas necessárias para um grupo sem lideres, representantes ou sistema de voto. vc pode formar o grupo focado no problema em si. e se houver mais de 10 interessados, há um sorteio. a assembleia pode ser usada para definir a prioridade dos problemas, todos dao nota de 0 a 10 p/ cada, que são ordenados de mais para menos prioritário, através da média obtida.
cada reuniao tem retrospectiva e revisão do que aconteceu no passado (especialmente desde a ultima reuniao) e plano para o futuro (especialmente para até a próxima reunião). Uma sugestão é ter reuniões a cada 30 dias.
Me inspiro no SCRUM, uma metodologia organica, para equipes multi-funcionais que funciona mais rapidamente com a experiencia da equipe, por isso as primeiras reuniões tendem a ser mais lentas naturalmente, e com o tempo vão se tornando mais eficientes, se seguidas as práticas recomendadas.
Outra metodologia que estou curioso pra conhecer é o Dragon Dreaming.
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