6 de agosto de 2011

Relações intercomunitárias


Por Adrian Rupp

Atualmente as relações que a maioria de nós estabelece são:
indivíduo - governos
indivíduo - empresa
indivíduo - indivíduo

Normalmente são relações de dependência dos indivíduos à empresas e governos, nos aspectos mais básicos da sobrevivência, ditadas pelo lado mais forte (empresas, governos), o que é contrário a segurança, autonomia e auto-sustentabilidade.
Vou tratar neste texto de um outro paradigma, onde pessoas e comunidades são empoderados em vez de serem explorados.


- Porque estabelecer?

Vários motivos levam as comunidades a possuírem relações:

Político: Comunidades unidas com outras comunidades tem mais força política frente a governos, empresas, e outras comunidades. Esta força pode ser usada para conquistar mais liberdade diante de governos opressores por exemplo.

Econômico: Recursos ociosos em uma comunidade podem ser ofertados para outra em troca de recursos que estejam faltando, desenvolvendo economicamente, ambas comunidades. Duas ou mais comunidades podem unir esforços para atingir objetivos que não seriam alcançados apenas com os recursos de uma só comunidade.

Cultural: Hábitos, soluções, conhecimentos, tecnologias, etc. podem ser trocados entre comunidades. Atualmente são pouco difundidos os conhecimentos para a auto-sustentabilidade, mas eles estão em abundancia em qualquer comunidade que busque este ideal. Pode-se aprender muito com outras comunidades, principalmente com as que nos parecem mais estranhas. No pior caso se aprende como não se deve fazer.

Segurança: Catástrofes de todo o tipo podem acontecer e ter apoio de outras comunidades é fundamental nestes momentos.


- Como estabelecer?

Relações entre comunidades com afinidades ideológicas ou culturais surgem de forma bastante fácil e natural, a dificuldade ocorre na medida em que a diferença cultural aumenta. Se faz necessário conhecimentos sobre a língua da comunidade, valores culturais, cosmovisão, etc. E acima de tudo: muita diplomacia.

Nossa tendência é sempre achar que nossos valores, hábitos, modo de vida, são os corretos e os dos outros estão errados, por desconhecimento, ignorância dos que praticam. Um ocidental vê as crianças numa comunidade andando sem calçados e imagina que essa comunidade é muito pobre, ignorante sobre cuidados com saúde, ou tem preguiça de fazer/comprar calçados. Pode imaginar que faria uma coisa boa explicando como se faz calçados ou doando. Quando de fato o que ocorre é que muitas comunidades consideram que é sagrado o contato entre as pessoas e a Terra, assim sendo nada deveria ser colocado entre os dois. De outro modo ainda, conseguir viver sem usar calçados é uma independência, o tipo de coisa que empodera o ser humano.

Enfim, este é só um exemplo para dizer que nas relações com outras comunidades devemos primeiro nos concentrar em entender e não em julgar. Algumas pessoas tem mais talento, habilidades e conhecimentos e portanto são mais adequadas para estabelecer e manter estas relações e portanto são mais indicadas para este tipo de atividade do que outras pessoas.


O que trocar?

Normalmente se imagina trocas de produtos agrícolas entre comunidades, já que todas as comunidades auto-sustentáveis produzem em alguma medida produtos agrícolas e isso amplia a diversidade de alimentos.

Mas as trocas podem ir além, pode-se ofertar mão de obra, produtos industrializados, cursos, espaços de lazer, etc.

Qualquer comunidade que busca a auto-sustentabilidade acaba por desenvolver algum tipo de indústria: alimentos(vinhos, geléias, frutas cristalizadas, queijos, etc.), ceramica, móveis (de madeira, bambu), papel de fibras vegetais, tintas, brinquedos, etc. Para a auto-sustentabilidade há uma urgência maior em produzir itens consumíveis (alimentos, tintas, fios, papel, água, eletricidade, etc.) do que itens duráveis (ferramentas, eletrônicos, móveis, roupas, etc.).


Pelo que cooperar?

Quando há interesses comuns as comunidades podem trabalhar juntas em vez de apenas estabelecer trocas. Cada comunidade tem recursos limitados, mas comunidades unidas tem mais recursos que podem ser utilizados para desenvolvimentos tecnológicos mais complexos, enfrentar problemas ambientais comuns, buscar a cura de doenças, etc.
Há também a cooperação política, praticamente indispensável para enfrentar governos ou empresas que ameacem as comunidades.
Vale lembrar mais uma vez da diplomacia: nenhuma cooperação pode ser imposta ou realizada sob ameaças. Por mais que entendemos que uma cooperação é indispensável em determinada situação, devemos respeitar a autonomia da outra comunidade.


Formas de trocas econômicas

As trocas podem ocorrer de três modos principais:

Monetária: É a troca mediada por moeda. Em termos de sustentabilidade comunitária sem dúvida é preferível uso de moeda regional, no lugar de moeda nacional. De qualquer modo ficam questões: Quem poderá imprimir/forjar? Será que vai ser garantido o lastro?

Permuta: É a troca direta. Os bens ou serviços são trocados diretamente por outros bens ou serviços.

Dádiva: É quando se oferece algo como presente sem a exigência de uma contra-partida. Considero como troca pois normalmente é realizada por ambas as partes, apenas não há a quantificação do que está se ofertando. Esse sistema é especialmente interessante quando há uma disparidade de desenvolvimento muito grande entre as comunidades. Na maioria das trocas o lado mais poderoso utiliza seu poder para obter vantagem sobre o lado mais fraco. O sistema de dádiva funciona de modo inverso, favorecendo o mais fraco diante do mais forte. Portanto é um sistema mais solidário do que os demais. Alguns criticam este sistema dizendo que ele compromete a sustentabilidade. É importante entender que o que é ofertado é parte do excedente, de modo que não prejudica de modo nenhum a sustentabilidade.
Na medida em que uma comunidade recebe apoio ela se torna apta a apoiar outras comunidades, criando um círculo virtuoso de abundância. A comunidade que doa para mais comunidades tende a ser a que mais recebe.


Relações 'comunidade - governos/empresas'

Várias comunidades estão se dedicando a estreitar laços com governos/empresas, acreditando que os mesmos são poderosos aliados. Isso é uma meia verdade. De fato são poderosos, mas não são aliados. Os objetivos dos governos são diferentes dos objetivos das comunidades no que observo no Brasil. Nossos políticos visam a conquista e a perpetuação no poder e a organização auto-sustentável torna o Estado antiquado e desnecessário. Portanto vejo como absurdo acreditar que vai partir do Estado/empresa os meios da conquista da autonomia, poder, liberdade, etc.
Mas enfim, essa é uma crença pessoal, para quem não acredita nisso sugiro que mesmo assim busque o fortalecimento das relações intercomunitárias, pois seja qual for o quadro futuro, tais relações serão interessantes para a comunidade.

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